domingo, 12 de abril de 2009

Uma nação, com múltiplas vozes e poderosos inimigos, que procura o seu caminho em direcção ao futuro

(Tasio-GARA)

O dia do Aberri Eguna tem um sabor agridoce para todas as cidadãs e todos os cidadãos que aspiram a construir um futuro em liberdade e plenitude democrática para a nação basca. Por um lado, as celebrações convocadas para este dia mostram que as forças soberanistas, longe de cair no desalento, têm vindo a somar forças neste longo caminho e têm como horizonte um futuro comum; mas, por outro, o peso da repressão e da imposição exercidas sobre essas legítimas aspirações pelo Reino de Espanha e a República Francesa nota-se bem de cada vez que se olha para o passado mais próximo, de cada vez que se faz um balanço do que ocorreu desde o último Aberri Eguna.

Por isso, em dias como o de hoje é necessário fazer um profundo exercício de reflexão sobre o caminho que se percorreu e sobre o caminho que ainda falta trilhar. Uma reflexão que não se deve confinar ao âmbito dos partidos políticos ou das centrais sindicais. A cidadania basca tem recursos suficientes para defender a sua nação, como o demonstrou ao longo dos séculos, e têm que ser os seus cidadãos e as suas cidadãs a assumir o compromisso necessário para fomentar um processo em que todos os agentes que se denominam abertzales sejam capazes de traçar um roteiro em que apareçam claramente definidas as etapas a percorrer e a meta final. É nessas coordenadas que se situa a convocatória realizada por um grupo de pessoas ligadas a diversos sectores sociais do nosso país que, com a bagagem adquirida pelo Nazio Eztabaida Gunea [Fórum de Debate Nacional], apostam na celebração unitária do Aberri Eguna em ambos os lados do Bidasoa, convertendo a ponte de Santiago, entre Irun e Hendaia, num símbolo de união não apenas territorial – passando por cima das fronteiras impostas pelos estados –, mas também político, dessa política com maiúsculas em que têm lugar vozes diversas e diferentes projectos sociais.

A unidade abertzale não tem que se basear na uniformidade social ou política. Rejeitar a pluralidade ideológica do mundo abertzale seria o mesmo que negar a evidência: que Euskal Herria acolhe no seu seio uma diversidade sociopolítica tão rica como a de qualquer outra nação. E a partir dessa pluralidade deve surgir, com uma só voz, uma mensagem unitária que exija aos quatro ventos o reconhecimento nacional de Euskal Herria, o reconhecimento dos direitos colectivos e individuais de uma nação que partilha há séculos este espaço geopolítico e cultural que denominamos, de forma genérica, Europa.

Pela força ou mediante a divisão
Se é verdade que são cada vez mais as vozes dos cidadãos e as identidades políticas que tecem esse sentimento unitário, não se deve cair na cegueira de quem não quer ver a realidade: mesmo hoje, alguns agentes políticos e sociais preferem utilizar esta jornada para se “distanciar” do conjunto e apresentar o seu projecto político como o frasco que guarda as essências do abertzalismo. Curiosamente, aqueles que no Domingo de Páscoa se perfumam com discursos autocomplacentes e entoam cânticos independentistas são os mesmos que no resto do ano andam a fazer acordos com o PSOE dos GAL ou com o PP da guerra do Iraque ou, para dar um exemplo mais próximo no tempo, com essa dupla PSOE-PP que nunca ocultou que o seu objectivo estratégico comum, unitário, é dissolver a nação basca como um cubo de açúcar no quadro constitucional espanhol.

De Madrid e de Paris, os inimigos da construção nacional de Euskal Herria olham hoje com uma lupa para o que acontece no nosso país. Poderosos inimigos desta pequena nação, os dois estados também observam com preocupação qualquer movimento das forças abertzales, especialmente se este se encaminha no sentido de uma unidade estratégica sólida. E é preciso não esquecer que foram os estados francês e espanhol a fazer uma clara aposta na confrontação, porque a sua concepção estatal parte de projectos nacionalistas que precisam de negar, eliminar, os direitos colectivos de outras nações para impor as prerrogativas nacionais sobre territórios e pessoas que mantêm uma identidade diferenciada.

Só partindo dessa imposição podem lançar para o ar, desde os seus atris institucionais, mensagens como “sou tão francês como basco” ou “sou tão basca como espanhola”. Fazem-no sem ruborizar porque os seus discursos são pura hipocrisia e estão destinados a calar na sociedade como sinais da sua suposta “moderação”. Os seus argumentos não resistem sequer a um pequeno assalto dialéctico – não poderão os espanhóis sentir-se espanhóis, e nada mais?; ou as que nascem em Paris também precisam de se sentir bascas ou bretãs para ser autenticamente francesas? – porque assentam na razão da força.

Só quando o mundo abertzale se apresenta mais unido, os estados se mostram mais cuidadosos nas suas mensagens e, então, oferecem “autonomia” ou “descentralização”, mas fazem-no apenas para dividir. Por isso, convém distinguir muito bem entre a pluralidade ideológica e a identidade nacional, porque não são conceitos incompatíveis, mas todo o oposto: para defender a unidade de uma nação é necessário juntar forças.
Fonte: Gara