quinta-feira, 16 de abril de 2009

A vida dos outros


De acordo com informação a que o diário espanhol Público conseguiu ter acesso, as Instituciones Penitenciarias sistematizaram o trabalho de espionagem aos presos políticos, sejam bascos ou islamitas, utilizando para tal funcionários voluntários. Nada de novo na medida em que esse mesmo diário, como a maior parte dos meios de comunicação espanhóis, costuma ter acesso a cartas ou gravações pessoais e privadas de presos bascos – ninguém se lembra então de A Vida dos Outros; são sempre “outros”. Nada de novo, dado que os tribunais espanhóis utilizaram essas gravações ou manuscritos como provas incriminatórias, sem ir mais longe, no caso da ilegalização da candidatura Aukera Guztiak, em 2005. Ou seja, não há realmente nada de noticioso para além da constatação de que o Estado espanhol continua a estar na vanguarda da “guerra contra o terror”, mesmo quando esta estratégia está a caminho de ser superada.

Agora bem, avaliando a fuga de informação, pode-se pensar que não há mal que não venha por bem. É de esperar que, tal como indica o relatório a que o jornal teve acesso, se os funcionários-espiões espanhóis começarem a analisar as partes sublinhadas pelos presos políticos nos seus livros, alterando os seus hábitos de leitura e passando dos diários desportivos para, por exemplo, Vigiar e Punir, de Michel Foucault, ou As Cruzadas Vistas pelos Árabes, de Amin Maalouf, venham a adquirir, nem que seja por via subliminal, os conhecimentos necessários para se revoltarem contra as suas chefias e contra a ordem autoritária que estas pretendem implantar tanto nas prisões como fora delas. Sendo sinceros, é pouco provável que isto aconteça. Mas será por acaso mais provável que pessoas que foram parar à prisão por razões políticas e que vêem reforçadas diariamente as suas convicções pelo próprio sistema penal e penitenciário renunciem aos seus ideais? Era precisamente a apostar nessa hipótese que se pretendia justificar a dispersão há vinte anos atrás, uma punição acrescentada à condenação tanto para os presos como para os seus familiares e próximos.

Após vinte anos de dispersão, o balanço dos êxitos colhidos pelos seus promotores é nefasto. Pouco mais conseguiram do que gerar mais sofrimento e saciar até certo ponto a sua sede de vingança. Em suma, incrementar e sistematizar a punição no Estado espanhol não é nada de novo, nem debaixo do sol nem atrás das grades.

Fonte: Gara


Tasio-Gara (Sakabanaketa, 20 urte / 20 anos de dispersão)