quarta-feira, 3 de junho de 2009

Com Luis Beroiz desaparece algo mais do que um «pai coragem» para os jovens perseguidos políticos


Luis Beroiz faleceu no dia 22 de Maio na sequência de uma doença prolongada, mas com a consciência muito tranquila. Para trás fica uma longa luta contra a impunidade policial, que monopolizou os seus últimos anos.

Beroiz nasceu em Agoitz em 1943, e fixou-se em Galdakao. Mas a sua vida mudou, ou melhor, mudaram-lha, no ano de 2002. Há alguns meses, quando apresentou em Iruñea o seu livro Entre ceja y ceja, explicava assim o dilema em que se viu envolto após a detenção do seu filho Andoni: “Quando alguém se apercebe da existência da tortura, tem várias hipóteses: ficar calado como um morto, rezar, ficar a ruminar sozinho o que lhe aconteceu, pedir perdão... ou ainda afugentar os fantasmas e começar a espalhá-lo e divulgá-lo”. “A escolha é fácil”, concluía.

Não pôde assim passar os seus últimos anos a apanhar cogumelos – como dizia no tom irónico e amargo que impregnava os seus textos –, mas dedicou-os à denúncia, à denúncia, à denúncia. Também, meio a sério e meio a brincar, dizia estar à espera que alguém “apresente uma queixa contra mim e me metam na prisão”, mas isso não aconteceu por uma razão óbvia: sabiam que dizia a verdade.

Em qualquer outro lugar, Beroiz teria sido aclamado como um “pai coragem”, mas em Euskal Herria a sua denúncia do caso de Andoni não atingiu foros de escândalo mediático nem sequer no dia em que o Ararteko [Defensor do Povo] admitiu que a acusação que pendia sobre ele era falsa. Para Luis, talvez esse tenha sido um triunfo momentâneo, mas nunca um ponto final: faltavam os outros detidos e sujeitos a incomunicação naquela macro-operação e em muitas outras similares, e faltam todas as vítimas silenciosas da tortura.

Inconfundível
Beroiz recorreu à escrita e acabou por patentear um estilo inconfundível pela sua clareza. Interpelava os responsáveis políticos destes casos (o famoso burukide) e na sua obra vestiu a pele de um torturador. Entre ceja y ceja (Editorial Txalaparta) é uma dessas histórias reais em que a realidade supera a ficção. Como o caso do seu filho, absolvido já em sete processos judiciais em que o magistrado pedia 91 anos de prisão para ele. Aí se narram a passagem pela esquadra, a prisão, as tentativas de lhe atribuir a responsabilidade de uma sabotagem em Galdakao numa noite em que a própria Ertzaintza sabia que ele estava em Zuia, a ameaça de linchamento apôs o 11 de Março, o brutal acidente sofrido por Andoni numa transferência para a Audiência, ou o sinistro sofrido por ele mesmo quando se deslocava para uma visita.

Os seus familiares e amigos choram-no em Galdakao e na sua terra natal, Agoitz. Também os pelotazales com quem passou muitas horas no campo. E sobretudo os jovens indefesos perante polícias e juízes, a quem deu a cara, mesmo correndo o risco de que lha partissem.
R.S.

Fonte: Gara