terça-feira, 1 de dezembro de 2009

O quartel de Leitza. Um circo, disparos e disparates


Reinou a confusão nas primeiras horas da manhã de domingo à volta do que aconteceu durante a madrugada nas imediações do quartel da Guarda Civil de Leitza (Nafarroa). Se num primeiro momento as agências noticiosas e os representantes políticos davam como certa uma acção da ETA, mais tarde as evidências fizeram com que esta hipótese perdesse gás. Embora a investigação continue aberta, tudo aponta para que tenha sido um agente da instituição armada a causar as feridas a si mesmo, simulando um ataque da organização armada.

Nas primeiras horas da manhã os noticiários faziam eco de um tiroteio em que, segundo parecia, se tinham visto envolvidos um agente da Guarda Civil e várias pessoas armadas. Não se especificou o número exacto de pessoas.
Citando fontes da «luta antiterrorista», a agência Efe informava que o tiroteio tinha ocorrido pelas 3h45, depois de o agente, que estava de guarda, alegadamente ter tentado identificar pessoas que, ao que parece, tentavam colocar um artefacto explosivo nas imediações. O guarda civil apresentava uma ferida de bala no braço, tendo sido detectado ainda um tiro no colete à prova de bala.

O ataque foi imediatamente atribuído à ETA, tanto pelos meios de comunicação, que faziam referência a fontes da luta contra a organização armada, como por variadíssimos representantes políticos, que vieram a público fazer a sua avaliação dos acontecimentos e repudiar o suposto atentado. Não expressando qualquer tipo de dúvidas, tendo por certa a autoria da ETA.

Representantes do Governo de Nafarroa condenaram a acção da ETA e solidarizaram-se com o agente ferido; o PP de Nafarroa expressou a mais absoluta e enérgica condenação do terrorismo e agradeceu ao agente ferido, que, com uma valentia sem igual, evitou uma tragédia tamanha; o presidente do CDN, José Andrés Burguete, também veio manifestar apoio e solidariedade às Forças de Segurança do Estado e, em especial, ao agente ferido.

Entretanto, foi veiculada a informação de que tinha sido encontrado um lança-granadas e que o agente ferido também tinha sido autor de disparos, pelo que um membro da ETA poderia estar ferido. E montou-se um circo. A Guarda Civil tomou os acessos à localidade e as imediações e um helicóptero sobrevoou a zona. O espaço à volta do quartel, de acesso vedado, era farejado pelos cães em busca de provas. E os agentes deslocaram-se a casas próximas para perguntar aos moradores se tinham visto ou escutado alguma coisa.
No entanto, o Ministério do Interior do Governo de Madrid continuava sem fazer declarações. Não confirmava nem desmentia as informações que estavam a ser divulgadas.

Depois das 11h30 da manhã a hipótese da autoria da ETA começou a esfumar-se. Os jornalistas que desde a primeiras horas da manhã se tinham aglomerado junto ao quartel de Leitza não atribuíam credibilidade às informações contraditórias que recebiam das redacções pelo telefone.
Respondendo a questões de uma jornalista, um agente da Guarda Civil fez saber que as armas dos agentes do quartel tinham sido levadas para serem analisadas. Isto haveria de pôr os jornalistas que se deslocaram até à localidade navarra na pista do que realmente tinha acontecido.

Primeiro, ainda se aventou a possibilidade de que se tratar de um caso de «fogo amigo». Mas esta hipótese não se aguentou muito tempo. Só mais tarde ganharia força a possibilidade de se tratar de «uma montagem» criada pelo próprio agente.

Esta última hipótese é a principal até ao momento. A agência Efe, citando fontes da luta contra a ETA, informou ao princípio da tarde que as primeiras investigações se dirigem nessa direcção e que as provas apontam para tal.

A munição encontrada nos arredores do quartel corresponde, segundo fontes da investigação, à marca «Santa Bárbara», habitualmente fornecida às Forças e Corpos de Segurança do Estado espanhol.

O que num primeiro momento foi apresentado como um lança-granadas, com o qual a ETA pretendia atentar contra o quartel, era afinal um tubo de PVC.

O disparo recebido pelo agente foi efectuado a apenas um metro de distância e o tiro detectado no seu colete à prova de bala não lhe deixou no tórax o inevitável hematoma que este tipo de impactos produz.

O guarda civil ferido, natural de Málaga e de 34 anos de idade, encontra-se em condição estável, depois da intervenção a que foi sujeito no Hospital de Navarra.

Se da parte da manhã as declarações e avaliações por parte dos diferentes representantes políticos foram uma constante, à tarde minguaram. Fez-se silêncio, literalmente. Nenhum representante se manifestou sobre as novas hipóteses que estavam a ser colocadas, nem ao menos compareceram publicamente para reconhecer o erro das declarações matinais.

Maider EIZMENDI

Utilizam a falsa notícia para desacreditar a proposta de Altsasu
Depois de se atribuir à organização armada a autoria do «atentado», alguns órgãos de comunicação fizeram questão de ligar a notícia à proposta de Altsasu, sendo vários os noticiários que começaram com a narração dos acontecimentos e fazendo alusão ao facto de ocorrerem apenas duas semanas depois de que a esquerda abertzale apresentasse a sua aposta num processo democrático e pacífico.

Os representantes políticos, de proveniências diversas, também não perderam o ensejo, apontando o dedo à esquerda abertzale, à qual pediram reiteradamente que repudiasse «o atentado» e tentando ainda desacreditar a proposta apresentada em Altsasu.
Entre exemplos variados, há o da presidente das Juntas Gerais de Gipuzkoa, Rafaela Romero, que afirmou que «todos os documentos e todas as palavras que falam de novas e pacíficas vias serão cantos de sereias envenenados», se a esquerda abertzale não se posicionar contra o sucedido. Ma mesma linha, expressou-se o porta-voz do PP na CAB, Leopoldo Barreda: «Creio que é um acto que coloca perante a realidade quem não quis ver, para lá das ficções, das artimanhas do Batasuna, das montagens da ETA ou das aparências que queiram construir, esta é a realidade».
E não foram os únicos a vir a terreiro.
Notícia completa: Gara

«Testemunhas de Leitza negam que se tenha suspeitado de um atentado», de Ramón Sola
«O guarda civil estava louco, como se fosse o Rambo. Gritava e viam-se clarões de disparos. Do quartel diziam-lhe 'desce, rapaz, com calma!'». Testemunhas dos acontecimentos de Leitza não entendem como se pôde falar de atentado.
http://www.gara.net/paperezkoa/20091201/169784/es/Testigos-Leitza-niegan-que-sospechara-atentado

«No quartel disseram-me que tinha sido um atentado e que tínhamos que o condenar», entrevista a Xabier Zabalo, presidente da Câmara de Leitza
«Muito magoado». Assim se dizia ontem o presidente da Câmara de Leitza depois de a terra ter andado na boca do mundo no domingo por algo que se veio a revelar falso. Xabier Zabalo revela que antes, mesmo ao amanhecer, a Guarda Civil lhe telefonou e lhe chegou a exigir que condenasse o «atentado».
http://www.gara.net/paperezkoa/20091201/169786/es/En-cuartel-dijeron-que-habia-sido-atentado-que-teniamos-que-condenarlo

«De 'Bartolín' ao militar de Loiola», de R. S.
Casos como o de Leitza podem parecer surrealistas, e são-no de facto, mas a história mostra que em Euskal Herria não são tão fora do comum. Quem não se lembra de «Bartolín», do «sequestro» de Martín Prieto ou do auto-atentado de Loiola?
http://www.gara.net/paperezkoa/20091201/169785/eu/De-Bartolin-militar-Loiola