domingo, 26 de julho de 2009

Ressurgem as actividades parapoliciais e perduram o silêncio e a hipocrisia de sempre


O Governo espanhol adoptou em relação em a Euskal Herria uma estratégia basicamente militar, que se fundamenta na ideia de que estamos perante uma «ofensiva final» contra o independentismo basco. Não é a primeira vez que aqueles que em Madrid defendem uma saída militar para o conflito basco impõem o seu critério. Essa «ofensiva final» requer uma política de terra queimada. Exige que se instaure o medo e derrote a esperança de qualquer mudança para melhor, para mais democracia, para mais justiça, para qualquer paz que não seja a que impõe a derrota e a humilhação. Este esquema força o Estado a abrir todas as frentes e a atravessar todos os limites. Se até agora, sobretudo na última década, o Estado espanhol teve que retorcer as suas próprias leis para levar a cabo a sua estratégia de acosso ao independentismo, agora deve ir inclusive mais além, voltando a activar mecanismos ilegais. Nesse terreno, inscrevem-se os recentes interrogatórios ilegais a Juan Mari Mujika e Lander Fernández e o sequestro denunciado esta semana por Alain Berastegi. Ao mesmo âmbito pertence o desaparecimento do militante da ETA Jon Anza há quase cem dias. Algo que não é novo; algo que é cíclico na história contemporânea de Euskal Herria.

Paradoxalmente, os ataques parapoliciais, o acosso de incontrolados a jovens militantes abertzales e a guerra suja no seu grau máximo ressurgem num momento em que, se se tiver em conta os porta-vozes do Governo espanhol e a suposta força do Estado e a debilidade do Movimento de Libertação Nacional Basco, o PSOE não precisaria de dar ou de permitir um salto qualitativo nesta direcção. Poderia pensar-se ser esse triunfalismo o que deu impulso aos elementos mais retrógrados das Forças de Segurança do Estado, que estariam a actuar de maneira autónoma por crerem que são tempos de impunidade. Se assim fosse, o silêncio e o cinismo com que os responsáveis políticos estão a enfrentar esta questão dar-lhes-iam razão. Mas a experiência histórica e os factos concretos que foram denunciados nestes últimos meses mostram que tal não é o caso.

Um novo episódio de uma actividade antiga
O desaparecimento de Anza lembra os fatídicos tempos dos GAL, a morte de Joxean Lasa e Joxi Zabala, e também os desaparecimentos de José Miguel Etxeberria Naparra, Eduardo Moreno Bergaretxe Pertur e Popo Larre. Mas também lembra os casos de Josu Zabala Basajaun e José Luis Geresta Mujika Ttoto, mortes não resolvidas nas quais a advertência ao inimigo e a vingança parecem jogar um papel-chave. A resposta de Alfredo Pérez Rubalcaba perante a denúncia dos familiares e companheiros de Anza é que se trata de um «embuste». Continua a não assumir a sua responsabilidade na matéria e a não responder às questões-chave: é verdade, tal como denunciou a ETA, que as FSE conheciam a sua militância na organização? Se assim é, que tipo de vigilância tinha no momento do seu desaparecimento? Quem eram os encarregados da mesma? Os seus homólogos franceses deveriam responder às mesmas questões.

O sequestro de Alain Berastegi, por seu lado, lembra os ataques de incontrolados dos finais dos anos 80 do século passado, quando grupos parapoliciais aterrorizavam jovens bascos sequestrando-os, espancando-os, chantageando-os e marcando-os com queimaduras e símbolos fascistas. Mas também lembra a prática habitual dos serviços de espionagem, serviços financiados com os mesmos fundos secretos que pagaram os membros dos GAL. Para além dessa, a mala com dinheiro que mostraram a Berastegi não pode ter muitas outras procedências.

Guerra suja vs. política
Dizia Carl von Clausewitz, militar prussiano e um dos primeiros teóricos da guerra moderna, que «a guerra é um acto de violência em que tentamos forçar o inimigo a sujeitar-se à nossa vontade». Se isto assim é, a guerra suja vem a ser o último recurso de quem, a partir do poder, e tendo utilizado todos os mecanismos ao seu alcance para dobrar a vontade dos seus inimigos - dobrando para além disso o pouco ou muito de democrático que pudessem ter as suas normas políticas e jurídicas -, salta essa barreira face à impossibilidade de submeter essa vontade popular aos seus desejos de dominação. Quando a ordem e a lei, nem sequer retorcida até abandonar a sua essência de Direito, são suficientes para eliminar a dissidência, o Estado recorre à «guerra por outros meios». O mesmo von Clausewitz dizia que «a guerra não é mais que a continuação da política por outros meios». Neste caso, a guerra suja é, muito simplesmente, a negação da política. E não é uma mostra de força, nem de inteligência militar, antes de uma profunda debilidade política.

Aqueles que em Euskal Herria se acostumaram a utilizar os casos de guerra suja para potenciar os seus discursos, apesar de na altura terem mantido um silêncio cúmplice, têm agora uma oportunidade para emendar a sua cobardia e denunciar estes novos casos. O mesmo se pode dizer da comunicação social, que prefere atender à propaganda militar dos ideólogos da «ofensiva final» a informar sobre estes acontecimentos e a dimensionar a sua evidente gravidade.
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Fonte: Gara

Tasio (Gara)