sexta-feira, 2 de outubro de 2009

«Para se ser livre, não se pode permitir a intimidação»


Entrevista de Itziar AMESTOY a Tim ROBBINS, realizador e actor

O californiano Tim Robbins é sobejamente conhecido pelas dezenas de filmes em que participou, entre os quais Mystic River, com o qual ganhou o Óscar para o Melhor Actor Secundário. Além disso, é director artístico da companhia The Actors’ Gang, que aposta num teatro comprometido e provocador há mais de 20 anos. Agora, visita Euskal Herria – estará em Bilbo e Gasteiz – para apresentar a alegoria política que George Orwell descreveu em 1984, que, segundo afirma, possui hoje «maior relevância que nunca».

Já vai longe aquele ano de 1949 em que George Orwell publicou a alegoria política que lhe traria reconhecimento mundial: 1984. Contudo, aquele relato, futurista para a época, que descrevia um mundo dividido em três estados totalitários - Eurasia, Eastasia e Oceania -, este último dominado pelo Big Brother que censura tanto comportamentos como pensamentos, continua hoje vigente. Assim o demonstra a obra dirigida por Tim Robbins, que estará em Bilbau nos dias 6 e 7 de Outubro e em Gasteiz nos dias 10 e 11, depois de ter triunfado nos EUA desde que estreou, em 2006. Trata-se de uma adaptação de Michael Gene Sullivan, baseada nos elementos mais dramáticos do romance, situados no último terço da obra, isto é, desde o momento em que o protagonista, Winston Smith, é submetido a um feroz interrogatório.


Que há de actual no mundo descrito por Orwell?
O livro representa extraordinariamente bem a realidade, todas as pressões que podem surgir de diversas frentes. Também explica de forma genial a necessidade da guerra no século XXI, descreve o modo como a guerra se converteu numa função da economia, em vez de ter a função da conquista. Para manter esta sociedade, é necessário viver num constante estado de medo; Orwell imagina um inimigo que nunca foi visto mas que não pode ser derrotado. Também fala do entretenimento como forma de distrair o público, e da função dos ecrãs e da televisão. Hoje em dia, possui mais actualidade que nunca.

A videovigilância, de facto, alastra ao mesmo tempo que o desenvolvimento tecnológico.
Para mim a obra aproxima-se mais do coração humano. Considero que o livro não aborda tanto a videovigilância como o espírito humano.

O que há dessa sociedade completamente dominada?
A maior parte do controle surge a partir do medo e da intimidação. Assim dominam a maioria da população. A maneira de se ser livre é não permitir a intimidação. Uma outra forma é apagar a televisão.

Acabou-se com a ideia de privacidade?
Não, para mim não. É verdade que existe uma tendência nas pessoas para abandonar a sua privacidade, por uma questão de segurança. Como se pode assustar tanto as pessoas? Creio que o ser humano se assusta tanto porque na televisão vê um crime, no jornal lê uma catástrofe. Está a viver no medo e por isso vive assustado.

Comentou que em 1984 gosta do momento em que Winston Smith lê o capítulo «Guerra é Paz». Procura, com esta obra, que o espectador tenha a sensação que você teve ao lê-lo?
Quando voltei a pegar na obra, dei-me conta de que me tinha esquecido desse momento. Ao lê-lo, vi que é exactamente o que acontece, e teve o mesmo efeito sobre mim. Sim, por isso quero que a audiência tenha essa mesma sensação.

Com todo este material, e com toda a sua experiência no cinema e no teatro, virou-se para a adaptação teatral. O que é que o teatro traz que o cinema não faça?
O teatro não se pode descarregar, nem roubar; os filmes, a música, ao invés, foram comprimidas. Ao disco, com um som tão rico e completo que parecia que se tinha a orquestra em casa, temos vindo a comprimi-lo e a alterar-lhe o som. Acontece o mesmo com todas as coisas menos com o som ao vivo ou o teatro, que é uma forma emocional e provocadora de contar histórias. Não estou apenas interessado em fazer um filme, mas também na história. Prefiro narrar o que quero contar, seja no teatro ou com a música, porque isso realmente me toca a alma.

Apesar da crise, os últimos números sobre o teatro mostram que as audiências subiram.
Isso é bastante emocionante. É preciso ter em conta que os preços do teatro aqui são bastante acessíveis, em virtude dos subsídios. Nos EUA os preços são astronómicos. Há muitos teatros que estão a sobreviver com grandes dificuldades. A direcção da nossa companhia disse-nos que saía mais barato não produzir teatro. Então, decidimos que, em vez de não fazermos nada, ainda vamos fazer mais, como tentativa de sobrevivência.

Considera que a cultura do medo está mais instalada em Hollywood que no teatro.
Como toda a gente que vive em Los Angeles sabe, Hollywood corre sobre o medo. Todo o mundo tem medo, de perder o trabalho porque um filme não funciona, ou de não ser suficientemente bonito. Eu acho que tive muita sorte, sempre pude criar o que quis. Nunca segui a ideia de que temos de fazer produções massivas. Não quero produzir obras a pensar no que as pessoas querem ver, mas naquilo que nos provoca paixão.

Como vive a chegada de Obama à Casa Branca?
Esta é - a digressão pelo Estado - a primeira vez que representamos com um presidente democrata. Deste modo, pudemos entender de forma plena o que constitui o tema de Orwell, que não é outro senão a concretização do amor. O ambiente é diferente, andámos a fazer punk rock durante os anos de Bush e agora é mais como um tema de Bruce Springsteen.

[Na sequência: «The Actors' Gang, o compromisso de uma companhia com a liberdade de expressão»]
Fonte: Gara