quarta-feira, 10 de março de 2010

O «Libération» aborda o caso de Anza e aponta também para um «erro policial»


O diário parisiense Libération publicou este fim-de-semana uma reportagem de duas páginas sobre o desaparecimento de Jon Anza, há já quase um ano. Inclui, por um lado, um resumo dos dados existentes sobre o caso, e, por outro, uma entrevista com o jornalista Jacques Massey, perito em informações policiais sobre a ETA. E conclui que a tese de «um erro» da Polícia espanhola é a que «ganha cada vez mais força».

A tese de que Jon Anza foi vítima de «um erro» de forças policiais espanholas ganha consistência, à beira de se cumprir um ano sobre o seu desaparecimento, de acordo com uma reportagem publicada este fim-de-semana pelo Libération. O diário parisiense faz eco dos elementos existentes sobre a questão, num trabalho assinado pelo jornalista Karl Laske, e inclui ainda uma entrevista com Jacques Massey, autor do livro ETA, l'histoire d'une guerre de cent ans, e que, pela sua trajectória profissional, tem acesso a fontes policiais.

Como conclusão de tudo isto, o diário refere que a tese de que as FSE espanholas estejam por trás do desaparecimento «ganha cada vez mais força».

Como já o tinha feito o também parisiense Le Monde, o Libération destaca as trevas que envolvem este caso. Karl Laske faz uma recolha das informações surgidas ao longo destes dez meses, incluindo as declarações efectuadas pela companheira de Anza ou pela procuradora que lidera o caso no Tribunal de Baiona, Anne Kayannakis.

Novos detalhes
O trabalho jornalístico do Libération segue a linha traçada pelo que foi publicado nestes meses no Gara ou no Le Monde, mas apresenta alguns novos detalhes. Por exemplo, no entender do autor a Polícia sabia que Jon Anza era militante da ETA antes de que a organização armada basca o divulgasse publicamente.
Concretamente, a ETA deu a conhecer esta circunstância num comunicado vindo a público no dia 18 de Maio de 2009. Nele se revelava que cinco meses antes do desaparecimento de Jon Anza a Polícia encontrara um esconderijo da organização na localidade de Senpere (Lapurdi), e que ali depara com impressões digitais do refugiado político donostiarra.
A Polícia aparentou ficar surpreendida por esta afirmação da ETA, mas o Libération garante que estava a par da militância de Anza. E para isso recorda as normas de actuação nestes casos.

O jornalista considera «muito estranho» que a Polícia francesa encontrasse esse esconderijo e não efectuasse a devida análise às provas conjuntamente com as FSE espanholas. É que, segundo realça, é norma habitual partilhar até os detalhes mais ínfimos quando se referem à ETA.
Para além disso, recorda-se que Jon Anza residia perto de Senpere, pelo que «não se pode descartar que, imediatamente a seguir à descoberta do esconderijo, a Polícia espanhola assumisse a vigilância do militante».

Embora não aluda expressamente a responsabilidades do Governo francês, o jornalista Karl Laske salienta que a procuradora Anne Kayanakis não quer deixar o caso nas mãos de um juiz. Desta forma, para o Libération «é claro que o Governo prefere manter o assunto sob o seu controlo». E refere-se, concretamente, ao Ministério dos Negócios Estrangeiros.

«Com total liberdade»
Por outro lado, na entrevista que complementa este trabalho o jornalista Jacques Massey confirma que os corpos policiais espanhóis actuam com total liberdade em solo do Estado francês, uma constatação que é confirmada pelas declarações oficiais do Ministério do Interior espanhol de cada vez que se verifica uma operação anti-ETA.

Assim, Massey recorda que os dois guardas civis que morreram baleados num atentado da organização armada em Capbreton, em Dezembro de 2007, «actuavam por sua conta». E acrescenta que além de participar em operações regulares com a Polícia francesa, «ao que parece, os espanhóis utilizam, inclusive, casas secretas».

Refere igualmente que, após o atentado da estação de serviço das Landas, «estes polícias podem andar armados». E salienta, no final, que sem a sua ajuda «a Polícia espanhola não efectuaria tantas detenções».

Este jornalista perito em questões policiais e na perseguição à ETA não tem qualquer dúvida de que o desaparecimento de Anza seja da responsabilidade de forças policiais espanholas. E lembra que durante o período em que se perdeu a pista ao ex-preso donostiarra tiveram lugar outras denúncias de sequestros e interrogatórios ilegais, também atribuíveis a agentes policiais espanhóis. No caso de Juan Mari Mujika, isso ocorreu em Donapaleu.

Anza desapareceu no dia 18 de Abril, depois de apanhar um comboio com destino a Toulouse, aonde não chegou.

Maite UBIRIA

Interesse crescente em Paris, mutismo completo em Madrid
A publicação da reportagem no Libération confirma o interesse crescente dos meios de comunicação de Paris pelo desaparecimento do militante basco. O diário de esquerda, criado em 1973 com o impulso de Jean-Paul Sartre, deu ao assunto um amplo tratamento (duas páginas) e fê-lo na sua edição de fim-de-semana, a mais vendida. O artigo pode ser lido em francês em http://www.liberation.fr/recherche/?q=anza.
Este artigo e o publicado pelo Le Monde há poucos meses contrastam com o silêncio total na imprensa de Madrid. O ministro Rubalcaba só foi questionado sobre o tema uma vez: por um jornalista do Gara, quando de uma visita a Gasteiz.

Fonte: Gara