quinta-feira, 3 de dezembro de 2009

Falam os familiares dos jovens detidos. Solidariedade face ao muro do regime de incomunicação


Vários familiares relatam o inferno vivido nos últimos dias, desde que na madrugada de dia 24 de Novembro 34 jovens foram detidos pelas FSE pela sua participação no movimento juvenil independentista. O sofrimento fez com que as horas se arrastassem, intermináveis. Mesmo assim, salientam um aspecto positivo: a enorme solidariedade recebida.

Impotência, raiva e dor são os sentimentos comuns vividos pelos familiares dos trinta e quatro jovens presos na semana passada. Acima de todas as sensações, destacam a de impotência, porque dizem que no Estado espanhol «regime de incomunicação» é sinónimo de tortura e maus tratos. «A incerteza em que mergulhamos nesses dias faz com que nos sintamos frágeis e impotentes», afirma Miguel Eskiroz, pai do donostiarra Mikel Eskiroz. Descreve os primeiros momentos «como uma alucinação», pois demora algum tempo até que a mente assimile realmente o que se está a passar: «O nosso filho foi detido em Iruñea, partilha ali um andar com outros três jovens. Por volta das cinco da manhã, um dos seus amigos ligou-nos a contar o que tinha acontecido. Sentimo-nos atordoados até que reagimos», relata o pai. Diz que depois de receber a chamada suspeitaram de que a Polícia pudesse aparecer em casa, e assim foi: «Eu e a minha mulher já estávamos mais ou menos à espera deles, e, quando vimos que uma pipa de carros parava em frente ao nosso portão, as nossas suspeitas confirmaram-se».

«Quando Mikel entrou em casa - prossegue - vimo-lo determinado, embora nervoso. Apesar de termos sido tratados com mais ou menos correcção durante a inspecção, não me deixaram falar com ele em momento algum. À mínima palavra que pronunciássemos, berravam connosco dizendo que nos calássemos».

No caso de Aitziber Arrieta, moradora na Parte Velha donostiarra, a jovem esteve sozinha durante as horas que a inspecção durou. A sua mãe, Belén, ainda com o susto no corpo, relata aqueles momentos repletos de angústia: «O meu marido, Iñaki, e eu estávamos a tomar algo na rua quando uma pessoa conhecida nos alertou para o que se estava passar na nossa casa. Fomos a correr para casa para estar com a Aitziber e presenciar a inspecção, mas impediram-nos o acesso». Belén conta que lhes viraram a casa «do avesso», ainda que «isso seja o que menos importa», e que até os vasos na varanda foram remexidos em busca de qualquer coisa.

Para a família de Maialen Eldua a inspecção foi bastante violenta no início: «A Polícia Nacional chegou a casa por volta das 2h da madrugada e, ao abrir a porta, apontaram-nos uma pistola», conta Izaskun Azkarate, mãe de Maialen. «Apontaram-nos uma lanterna e ordenaram-nos que nos enfiássemos numa divisão da casa enquanto um polícia nos vigiava e os outros inspeccionavam. Assim, não nos deixaram estar com a Maialen, embora ela nos dissesse de vez em quando "ama, ondo nago" [mãe, estou bem] para nos tranquilizar», conclui.

«Trataram-nos como cães»
Iñaki Elkano, pai da jovem detida Amaia Elkano, afirma que a violência e a força são as armas que a Polícia utiliza nestes casos para assustar e pressionar: «A minha mulher e a minha filha mais nova sofreram um ataque de ansiedade durante a inspecção. A primeira coisa que a Polícia fez foi fechar todas as janelas, aumentando a sensação de sufoco», descreve. Depois das inspecções efectuadas em diversos pontos de toda Euskal Herria todos os detidos foram levados para Madrid, dando início ao período de incomunicação.

Com a transferência dos jovens para a capital espanhola, a maioria dos familiares e amigos decidiu meter-se num carro e tomar também eles o caminho de Madrid, ficando próximos da Audiência Nacional. Durante os dias correspondentes ao período de incomunicação, absolutamente nada foi dito aos familiares, intensificando ainda mais a incerteza. «Trataram-nos como cães; para além de estar na rua à espera durante longas, intermináveis horas, não nos deixavam estar em frente à Audiência Nacional, ali também não nos era permitido estar», conta Itziar Urra, irmã de Garbiñe Urra. «Ordenaram-nos que nos afastássemos, obrigando-nos a ir para a Praça de Colón. Na quinta-feira - prossegue -, vendo que éramos quase cem pessoas, vários polícias dispersaram-nos e chegaram a identificar uma jovem».

Durante aqueles dias em que os familiares não puderam fazer mais que esperar, todos concordam relativamente à forte rede de solidariedade, apoio e compreensão que se estabeleceu entre todos os familiares e amigos: «Era uma situação comum, todos os que ali estavam passavam pelo mesmo, e esse sentimento geral fez com que se criassem pequenas redes de união, formando uma só, forte e sólida», descreve Iñaki Egaña, pai de Ehiar Egaña. E acrescenta que essas «pequenas redes» se juntam à de fora, ou seja, ao apoio e carinho que chegam do exterior. «Essa é minha leitura geral», conclui.

Com uma visão mais fria da situação, todas as mães e pais agradeciam às pessoas conhecidas, aos anónimos, a todas aquelas pessoas que se dedicaram sem pensar duas vezes: «O Iñaki e eu estamos encantados com a gente da Parte Velha donostiarra; jamais imaginámos a reacção que os vizinhos tiveram, os chefes, até gente que conhecemos só de vista, que vem e nos manda um abraço para a Aitziber. Não temos palavras para agradecer o calor de todos eles», narra Belén.

«Nós não fomos até Madrid enquanto durou o período de incomunicação - diz ainda -, já que nos disseram que aqui nos sentiríamos mais aconchegados, e assim foi». Iñaki Egaña ressalta, por outro lado, que «há gente boa em todos os lados»: «É verdade que vamos a Madrid com raiva, mas nesta ocasião uma família que não conhecíamos de lugar nenhum acolheu-nos em sua casa juntamente com a mãe de Oier Ibarguren e ajudaram-nos em tudo o que puderam e é justo agradecer-lhes o gesto que tiveram connosco».

Os familiares também sublinharam a ajuda recebida por parte dos advogados, que fizeram também de psicólogos, segundo Miguel Eskiroz. Dizem que os advogados se envolveram «em todos os sentidos», mantendo o telefone disponível a qualquer hora, atendendo as chamadas sem qualquer problema e tratando-os de forma «muito humana».

O orgulho de cada casa
«Dissemo-lo na conferência de imprensa em Usurbil e voltamos dizê-lo agora: estamos muito orgulhosos dos nossos filhos e filhas», insiste Izaskun Azkarate. «São jovens trabalhadores, lutadores, com as suas ideias, as suas inquietudes, não são ladrões, mas jovens com vontade de mudar as coisas», acrescenta.

Cada vez são mais os jovens detidos com estudos, trabalhos e que estão a realizar cursos universitários «e isso é algo que magoa», opina Iñaki Elkano. «Amaia está no 4.º ano do curso, fez um exame na segunda-feira e passou, gosta do que faz, quer formar-se, estudar e aprender, como os restantes jovens». Itziar Urra relata uma situação muito semelhante, já que Garbiñe tinha começado agora os estudos de Educação Infantil e não sabe o que vai ser do seu curso agora. O jovem Xumai Matxain, que hoje cumpre 21 anos, transmitiu a mesma preocupação ao seu aita [pai], Josetxo: «E o meu curso de electricista?». «Foi o que o meu filho me perguntou, e agora tenho de me informar sobre procedimentos a seguir para que possa continuar a estudar». «Olha, digo-o alto e claro, nestes dias vivemos muitas coisas muito intensas e só cheguei a uma conclusão: agora mais que nunca estou mais convencido das minhas ideias e das da minha filha. Não nos vão conseguir parar e muito menos cortar as asas a uns jovens que querem voar», conta Elkano.

No fim-de-semana passado e depois de vários dias sem saber nada deles, os familiares puderam reencontrar os seus filhos e filhas nas visitas que lhes foram concedidas na cadeia. A maioria quer esquecer o que viveu durante os dias do regime de incomunicação e prefere, por agora, não contar o que sofreu. «Disse-nos que não estava preparada e que mais lá para a frente nos contará o inferno por que passou: em apenas quatro dias perdeu seis quilos», relata Egaña, acrescentando que com o passar dos dias os sentimentos se vão orientando: «A vida tem altos e baixos, mas vamos olhar sempre em frente».

Oihane LARRETXEA

Reuniões com o Defensor do Povo e o Ararteko
«Se os outros são vítimas, nós também o somos», salientaram as mães e os pais, outros familiares e amigos dos detidos. Para reclamar «os direitos que lhes assistem» e tentar acabar com o regime de incomunicação, familiares dos detidos em Nafarroa dirigiram-se na semana passada ao Defensor do Povo: «Disseram-nos que naquele momento não nos podiam receber, já que os encontros são marcados com antecedência», conta Itziar Urra. «Entregámos à secretária um dossier em que lhe transmitimos as nossas preocupações - acrescenta - juntamente com o relatório publicado com base nas detenções que ocorreram há um ano em Iruñerria [comarca de Pamplona] e no qual os detidos denunciaram ter sofrido maus tratos e torturas». Para além disso, entregaram-lhe dois dossiers recém-publicados, um pela ONU e outro pela Amnistia Internacional, que há pouco se pronunciaram sobre a tortura que é praticada no Estado espanhol. «Insistimos na forma de actuar tanto da Guarda Civil como da Polícia Nacional». «Aceitaram-nos os elementos, pelo que esperamos que nos recebam no seu gabinete em breve», conclui Urra. Por outro lado, o Torturaren Aurkako Taldea (TAT) tem agendada para hoje uma reunião com o Ararteko, na qual porão em cima da mesa as últimas denúncias dos detidos. O.L.
Fonte: Gara