sexta-feira, 30 de maio de 2008

A propósito da inauguração do Parque da Memória, em Sartaguda

Carta aberta ao senhor arcebispo de Iruñea

Jesús LEZAUN, sacerdote

Com todo o respeito e carinho, escrevo-lhe esta carta com a emoção vivida no dia 10 em Sartaguda. Nesse dia, tive a sorte de assistir à inauguração do Parque da Memória nessa povoação, em honra de todos os fuzilados durante a guerra de 1936 em Nafarroa, e especialmente em Sartaguda, a terra das viúvas. 3420 em Nafarroa inteira. E 86 só nesta localidade, com uma população de 1200 habitantes.

O Partido Socialista de Navarra, que se juntou à cerimónia superando reticências anteriores, intitulava o seu comunicado sobre o particular com estas palavras: “fecham-se feridas”, e “salda-se a dívida de 36”. Expressões muito sérias e profundas.

Cerca de 7000 pessoas na cerimónia emotiva e delicada. Entre elas estávamos nós, seis sacerdotes da diocese. Naturalmente, não representávamos mais ninguém do que a nós mesmos. Fomos recebidos com verdadeiro carinho e agradecimento, precisamente porque éramos sacerdotes. Ressaltou-se explicitamente na cerimónia, de memória e recordação emocionadas, sem resíduo algum de rancor ou espírito de vingança, que nem todos os sacerdotes de Nafarroa apoiaram a guerra, e que mais do que um se opôs aos fuzilamentos. Não foram certamente demasiados. Algum terá colaborado nesses fuzilamentos. A algum lhe terá custado a vida, como a D. Vitorino Aranguren, nessa altura pároco de Milagro, pois morreu subitamente, numa noite, de um enfarte causado pelos desgostos de não conseguir impedir os fuzilamentos nessa terra. Tinha 33 anos.

Faltavam na celebração histórica do dia 10 duas instituições muito significativas em Nafarroa: o Governo e o Arcebispado de Iruñea [Pamplona], que não se juntaram à cerimónia. Leu-se a acta do Parlamento de Nafarroa de 2003, certamente emblemática. Assinalou-se que o anterior arcebispo de Iruñea expressou o seu repúdio contra a alusão que o documento faz à atitude da Igreja de Nafarroa perante a guerra de 1936, e o seu silêncio perante os milhares de fuzilamentos. A alusão foi moderada e eu creio que se ajusta exactamente à realidade dos factos. Todos estão de acordo em relação a isso, e o tema é já história verificada. A carta pastoral do então bispo de Iruñea – «Mais sangue não» – chegou muito tarde, depois de que quase todos os fuzilamentos se tivessem já consumado. Não havia nela nenhuma condenação da guerra.

Em verdade, creio que a ausência do Arcebispado em Sartaguda, nesse dia histórico e inolvidável, foi um autêntico escândalo. Senhor arcebispo, digo-lhe sinceramente que os bispos espanhóis, e você especialmente, como arcebispo de Iruñea, têm que pedir, de uma vez por todas, perdão pela guerra, que custou um milhão de mortos, e você por todos os fuzilados aqui pela facção franquista. Deixem-se de falácias e desculpas. A coisa é tremendamente escandalosa e de consequências religiosas bastante sérias. A Igreja espanhola e a navarra em especial tiveram um papel muito activo na preparação da guerra e no seu desenvolvimento. Quanto a isso não há dúvidas. Posteriormente apoiou com energia o regime franquista, que depois da guerra, e de acordo com os historiadores, fuzilou cerca de 200 000. Abandonem de uma vez por todas o qualificativo de cruzada que vocês deram à guerra e que, na realidade, foi uma guerra civil bastante cruel de ambos os lados. Onde estão os beatos fuzilados pelos franquistas, e que morreram pela justiça, a liberdade e a igualdade, virtudes eminentemente cristãs, e suportaram a morte sem resistência alguma, na maior parte dos casos?

Pouca autoridade moral terão vocês para ditar normas a esse respeito se não respondem a um clamor que creio ser geral. Pouca autoridade terão se não o fazem para influir numa pacificação por que todos aqui ansiamos, e que é urgente. Zapatero, que vocês também não estimam, não é mau pelo laicismo que apregoa, mas antes por não resolver os grandes problemas que nos concernem, e vocês, em vez de ajudarem, só dificultam, tornando absolutas realidades contingentes, como a unidade da sua pátria, que, no que a nós diz respeito, conseguiram e mantêm à base de pura violência física e política, sobre as quais vocês nada dizem. Qual é, então, a vossa atitude? Cães mudos que não ladram, ou não sabem ladrar. Ou pelo menos não se atrevem a ladrar.

Perdoe o meu atrevimento ao dizer-lhe estas coisas. Faço-o com a melhor intenção, e com a certeza subjectiva de lhe prestar um serviço.

Fonte: Gara