terça-feira, 16 de dezembro de 2008

‘Sustraiak’ [raízes]


Acabamos de editar La Revolución por el tejado, autobiografia do navarro Lucio Urtubia, pedreiro, anarquista e avezado expropriador de bancos. Na casa parisiense de Lucio, há dois lemas que dominam a fachada. Um em francês: «Le temps de Cerises», o tempo das cerejas, a canção da Comuna de Paris, que continua a inspirar todas as utopias planetárias deste anarco-internacionalista.

O outro lema é em euskara, Sustraiak. Raízes. Às quais Urtubia não renuncia, ainda que a custo de contradições. Não pode, nem quer, deixar de ser um basco navarro. “Continuam a ser uns carlistones”, diz-nos quando falamos de Euskal Herria. “Como tu”, seguimos na brincadeira. Mas todos sabemos que há algo de certo, e que as correntes das nossas rebeldias e credos, aparentemente distintas, remontam à mesma fonte turbulenta do século XIX.

Não se estudou suficientemente a relação entre o fenómeno anarquista e o carlismo rebelde e comunalista desse século. Como daquele campesinato autóctone - ressentido contra o liberalismo açambarcador -, a que roubaram o comunal e impuseram as quintas, as fronteiras e a emigração, surgiu em boa medida a esquerda revolucionária. Os dados estão aí: os dirigentes anarquistas de Lodosa e de outras terras navarras, fuzilados em 1936, eram de famílias carlistas. O próprio Lucio o era. O Ateneo Libertario de Allo, principal foco anarquista navarro, tinha surgido do Círculo Católico Obrero, no mesmo local, com os mesmos sócios e os mesmos dirigentes. Carlistas transformados em anarco-sindicalistas, fuzilados por requetés e nacional-sindicalistas poucos anos mais tarde. Navarra era e é assim.

Como resposta – mais ou menos individualista – às sucessivas derrotas do campesinato navarro, restou a oposição às quintas, o contrabando, “os atentados à propriedade”, a emigração. Daquelas lutas, Lucio Urtubia é uma bala póstuma. Herdeiro da pólvora rebelde, encontrou-se disparado num deserto, e teve que iniciar a sua revolução em solitário, tornando-se um inadaptado ao franquismo, um desertor ao exército, um “roubador” ao Estado, um contrabandista basco, um emigrante. Depois, no ambiente propício de Paris, foi fácil moldar-se num activista anti-franquista, num socorrista social e em tudo o que neste livro se conta.

A rebeldia basca tem raízes obstinadas, de onde surge todo o vergel reivindicativo e solidário que caracteriza o nosso povo. Lucio é um ramo mais e tem a sorte, temos, de não o terem cortado a destempo, como tantos outros, e podemos desfrutar das suas memórias. Talvez não seja um mero acaso que a editorial mais próxima, e mais proclive, a tenha encontrado quase junto à sua Cascante natal. E também não é um acaso que juntemos num mesmo catálogo A Comuna de Paris, do paisano Lissagaray, cantor de «Le temps des Cerises», e Lucio Urtubia, o homem de sustraiak.

José Mari ESPARZA