segunda-feira, 30 de março de 2009

A Delegação do Governo em Navarra proíbe um acto evocativo da Ahaztuak 1936-1977


A associação de vítimas do golpe de estado, da repressão e do regime franquista Ahaztuak 1936-1977 viu proibida, por parte da Delegação do Governo na Comunidade Foral, a realização do acto que tinha previsto para o próximo dia 6 de Abril em homenagem a todos os resistentes antifranquistas bascos e entre eles, agora que se cumpre o 30.º aniversário da sua morte, a Jokin Artajo e Alberto Asurmendi, membros do EGI-Batasuna mortos em Ultzama (Nafarroa) quando preparavam uma acção contra o regime ditatorial, no dia 6 de Abril de 1969.

Mediante uma notificação entregue por agentes policiais à pessoa do nosso colectivo, que tinha feito o pedido de autorização para este acto, a Delegação do Governo em Navarra nega a autorização para a realização do mesmo e procede à sua proibição, argumentando que “a realização da concentração-homenagem comunicada em honra aos referidos (no aniversário da sua morte) causaria uma aprovação da sua conduta, justificando portanto publicamente as condutas delitivas destes e atribuindo vitimismo aos terroristas. Em suma, este facto poderia ser constitutivo dos delitos de enaltecimento ou apologia do terrorismo” (sic).

Perante esta proibição, que consideramos sob todas as perspectivas injustificada, a Ahaztuak 1936-1977 interporá evidentemente o correspondente recurso administrativo, uma vez que considera que a mesma viola a nossa liberdade de expressão e o nosso direito de reunião e manifestação, mas também o fará pela argumentação que a dita proibição alega e utiliza para se referir a Jokin Artajo e Alberto Asurmendi, quando qualifica a sua militância e a sua luta antifranquista como “conduta delitiva” e a eles próprios como “terroristas”, considerando portanto que a realização do acto em sua memória poderia ser “constitutivo dos delitos de enaltecimento ou apologia do terrorismo”.

Tais argumentos, para além de parecerem à Ahaztuak 1936-1977 totalmente lesivos para a honorabilidade destas pessoas, parecem também preocupantes se tivermos em conta que se referem a duas pessoas que combatiam um regime fascista, implantado por um golpe militar e mantido até ao seu fim, em 1977, pela violência e pela repressão que a cada momento considerou necessária e que é por todos conhecida: milhares de condenados à morte, milhares de desaparecidos e milhares de presos políticos, uma quase permanente declaração dos “estados de guerra” e “estados de excepção”, execuções por garrote vil, execuções extrajudiciais, guerra suja, supressão de liberdades civis e políticas, ataque permanente às liberdades do Povo Basco e dos diferentes Povos da Península, à sua língua e cultura... Como se pode tachar de “conduta delitiva” o confronto com um regime dessas características, inclusive pela violência? Como se pode catalogar como “terroristas” aqueles que o fizeram? Como se pode, portanto, dizer que um acto em memória daqueles que o fizeram poderia ser “constitutivo dos delitos de enaltecimento ou apologia do terrorismo”? E tudo isso, ainda para mais inri em Navarra, comunidade na qual algumas instituições e cargos políticos continuam a fazer o impossível por manter a simbologia franquista ainda existente, sendo o exemplo mais notório o caso recente da Praça “Conde Rodezno”, tendo o Município de Pamplona, governado pela UPN, optado por manter o nome da referida praça em homenagem ao dito golpista, homem do regime franquista e responsável, enquanto ministro da Justiça do primeiro Governo de Francisco Franco, por cerca de oitenta mil condenações à morte.

A Ahaztuak 1936-1977, tendo em vista estes factos, não pode senão encarar com preocupação que a Delegação do Governo na Comunidade Foral faça tal equívoco sobre quem eram os terroristas. Não pode senão encarar com preocupação que se proíbam homenagens a pessoas que lutaram decididamente na forma que consideraram oportuna contra um regime fascista quando as placas, as ruas e as praças em honra dos homens daquele regime se mantêm, mesmo a partir das próprias instituições, com um aviltante descaramento.
É sobretudo preocupante para a democracia que os poderes públicos fomentem de tal forma a tergiversação da memória e da verdade sobre os que anularam a democracia manu militari e os que lutaram como puderam ou como julgaram necessário fazê-lo para a recuperar.

AHAZTUAK 1936-1977


Ver também, em kaosenlared, «Terrorismo, definição, e terroristas», de Nebera.