segunda-feira, 23 de março de 2009

PSOE e PP completam o seu Lizarra-Garazi e urge dar andamento a uma proposta atractiva de mudança


Presume-se que a semana que agora se inicia seja decisiva para que os dois partidos de obediência estatal – PSOE e PP – ultrapassem os poucos escolhos que separam Patxi López da Lehendakaritza. Se o calendário anunciado se cumprir, 3 de Abril será um dia com muita importância em Euskal Herria: nessa sexta-feira constituir-se-á o primeiro Parlamento de Gasteiz derivado do apartheid político e, precisamente ao mesmo tempo, na Câmara de Nafarroa terão lugar os fastos de comemoração dos seus 30 anos de vida, os últimos seis dos quais também falseados pelo veto à esquerda abertzale. PSE e PP, UPN e PSN poderão assim brindar nesse dia pelas duas lanças cravadas nas instituições bascas da partição.

Com a tomada de Ajuria Enea, as duas forças estatais levam a cabo o seu próprio Lizarra-Garazi. A sua jogada pode ler-se como uma réplica fiel do acordo subscrito entre os abertzales há pouco mais de uma década mas cuja implementação foi muito escassa. O Estado deu a volta ao conteúdo daquele pacto como se fosse a uma meia. Se em Lizarra ficou assente que “Euskal Herria tem a palavra e a decisão”, em Madrid o Tribunal Constitucional decretou há alguns meses que “a única soberania é a do Povo Espanhol”. Se Lizarra defendeu que se assumissem quotas de poder e evitassem os pactos com formações de obediência estatal, agora são estas que dominam os dois governos autonómicos, desprezando as ofertas do Nafarroa Bai e do PNV, aos quais de nada serviu fazer baixar até à humilhação o preço das suas contrapropostas. E se o Lizarra abertzale apostava na resolução do conflito político e armado através da negociação, o Lizarra espanhol propõe-se continuar a jogar tudo na senda da vitória policial, que já se mostrou impossível mais de mil vezes.

Há ainda mais uma diferença. Lizarra defendia a institucionalização de Euskal Herria, a construção do Estado que não existe. Para o PSOE e o PP é muito mais fácil: não precisam de criar a Udalbiltza (1), porque já dispõem dos seus governo e parlamentos da partição (e agora também do apartheid); também não devem passar o EHNA (2), porque já impõem o DNI; não requerem Poder Judicial próprio, porque podem usar e abusar da sua Audiência Nacional ou do seu Tribunal Superior do País Basco; também não precisam de um Batera que defenda os seus presos, porque a repressão política é património estatal. E mais e mais...

Mudança / não mudança
Em resumo, uns têm tudo por fazer e outros só aspiram a que nada mude. O alinhamento PSOE-PP cria assim uma nova linha divisória. Nos anos 80-90 o Pacto de Ajuria Enea patenteou uma dicotomia entre “democratas e violentos”. Depois, Lizarra desenhou uma nova linha divisória entre “abertzales e espanholistas”. E actualmente a realidade dos factos impõe uma nova separação: entre os defensores do quadro actual face aos que reivindicam uma mudança em termos democráticos.
É esta a confrontação que se afigura, e que na realidade já se vem a dar desde que o último processo de negociação se abeirou da possibilidade real dessa mudança, que não se chegou a consumar. Neste momento tornou-se evidente que também o PNV, e não apenas o PSOE e o PP, está no lado dos que preferem continuar na mesma. Mas em termos sociais percebe-se que a realidade é bastante diferente e que a maioria não corresponde precisamente aos que se agarram ao “mais vale um pássaro na mão...”.

O futuro não está nas mãos de siglas, sedes e lobbys políticos, mas decidir-se-á na aposta individual de cada cidadão. Há que ver, por exemplo, como é que as centenas de milhares de votantes jeltzales digerem a clamorosa evidência de que a direcção do seu partido não via obstáculos em chegar a acordo com o PP, herdeiro directo do genocídio franquista e da tentativa de extermínio de Euskal Herria, para continuar a ostentar o poder em Ajuria Enea.
Aqueles que exigem uma mudança real, com os independentistas à cabeça, devem fazer uma proposta atractiva a cada um desses cidadãos e constituir uma estratégia eficaz frente ao renascido bloco espanholista. A esquerda abertzale anunciou a sua disposição para agarrar o debate com unhas e dentes, e a receptividade encontrada parece positiva. Existe terreno, portanto, para trabalhar sem apriorismos nem partidarismos. Sem pressas, mas sem pausas.

Esquerda / direita
A crise económica e o debate subsequente apresentam ainda um outro terreno sobre o qual construir uma proposta socialmente atractiva. As receitas dos partidários do statu quo são conhecidas de sobra: consistem apenas em corrigir os erros do sistema quando, na realidade, cada vez é mais claro que o sistema é o erro. Assim, encontramos uma Administração de Lakua que se refugiou numa mescla de autocomplacência – a comparação com os dados estatais torna-o mais fácil –, de autismo – recusa do diálogo com os sindicatos – e de continuismo – a cascata de ERE aprovados (3). E a navarra, por seu lado, vai ainda mais longe, aproveitando a ocasião para potenciar o clientelismo suspeito das construtoras com os projectos de resgate da frustrada mega-cidade de Gendulain e de adiantamento do pagamento do TGV.
A dicotomia mudança/não mudança entronca assim de forma natural na de esquerda/direita. Articular uma proposta de mudança real e fazê-lo a partir de uma esquerda real é o desafio dos próximos meses.

Fonte: Gara

(1) Udalbiltza: Euskal Herriko Udal eta Hautetsien Biltzarra / Assembleia de Municípios e de Eleitos Municipais de Euskal Herria

(2) EHNA: Euskal Herriko Naziotasun Aitormena / Declaração da Nacionalidade de Euskal Herria (Bilhete de Identidade Basco)

(3) ERE: Expediente de Regulación de Empleo