quarta-feira, 14 de janeiro de 2009

Nafarroa, 1512-2012: entrevista a Pello Esarte


Mencionar Pello Esarte é falar da pessoa que mais sabe sobre 1512 e a conquista de Nafarroa. Publicou diversas obras sobre a história de Nafarroa, entre as quais uma monumental (quase 1000 páginas) sobre a conquista, intitulada Navarra, 1512-1530. Conquista, ocupación y sometimiento militar, civil y eclesiástico.

Esarte não é um historiador profissional e não goza do aplauso dos “escreventes” da história oficial. Pello tem profunda noção da importância de reunir dados, de os analisar e de apresentar uma visão diferente daquela que interessa ao poder. Tem vindo a construir, ao longo dos anos, sem deixar de trabalhar na sua actividade profissional, um grande mosaico de dados, vivências, documentos e referências de todo o género. Se o próprio Governo de Navarra se viu obrigado a reconhecer que 1512 foi uma conquista, tal se fica a dever ao trabalho incansável de pessoas como Pello Esarte, que pulverizaram a versão da livre incorporação de Navarra em Espanha.

nafarroan.com: Deu-se a conhecer a Comissão para comemorar o aniversário da batalha de Navas de Tolosa e da conquista de Navarra. Como viste a decisão de unir estas duas datas?

Pello Esarte: A união de ambas as datas pareceu-me muito normal entre aqueles que o fizeram. Implica manter a falsidade do que ocorreu em ambas as datas: nem o escudo de Navarra foi ganho em Navas de Tolosa, nem possuía correntes. Isso foi uma invenção do arcebispo de Toledo Ximénez de Rada.
Quanto a 1512, foi uma conquista militar a ferro e fogo, mantida durante não menos de 12 anos, e uma colonização que ainda perdura.

nafarroan.com: Porque achas que procederam assim?

Pello Esarte: Eles têm como objectivo manter uma verdade oficial por cima da verdade simples. E essa “verdade” levou-nos a deixar de ser um Estado, para ser uma província (chame-se como se quiser), que, de acordo com as palavras dos nossos governantes, tem vindo sempre a conquistar direitos.

nafarroan.com: A Comissão afirma que o seu objectivo é que a sociedade conheça a história…

Pello Esarte: Se o objectivo fosse o de conhecermos a nossa história, a melhor maneira seria confrontar as opiniões dos próprios navarros, sem intervenções de fora. Mas a intenção é formar educações e não instruir pela cultura.

nafarroan.com: Que achas que pretendem?

Pello Esarte: Desarreigar a memória histórica da realidade, implantar a história oficial que os mantém no poder e servir de vínculo à colonização de Navarra e dos “bascos” pelo império dos austro-godos (prova-o a origem do próprio chefe de Estado).

nafarroan.com: O Governo de Navarra fala de conquista de Navarra. Este termo – conquista – não é o que o navarrismo espanholista usou habitualmente, e não é o que aparece no Amejoramiento, por exemplo. Negaram sempre que se tratasse de uma conquista, para dizer que foi uma livre incorporação. Agora falam de conquista, embora a liguem ao que chamam “processo de incorporação na coroa de Castela”. A que achas que se deve esta mudança?

Pello Esarte: Em primeiro lugar, ao carácter insustentável da defesa da “livre incorporação”. Admitindo o “Processo de Incorporação”, este foi militar e continuado. O expoente máximo do tempo de duração foi a construção da fortaleza, pensada para reprimir as sublevações da população. A sua vigência chegou quase até aos nossos dias.

nafarroan.com: Como definirias, em poucas palavras, o que se passou em 1512?

Pello Esarte: Foi uma ocupação colonizadora, que abarcou todos os tipos de força e fez uso de todos os meios de opressão e chantagem sobre o submetido, em todas as classes sociais que o compunham, incluindo desterros e exílios forçados, para acabar com o sentimento de liberdade de Estado independente que existia.
Mas, apesar da sua aglutinação do momento histórico, as guerras carlistas, a Gamazada, os assassinados de 36 e um vasto etc., de que não podemos excluir as emigração durante os períodos mais duros, são factos que confirmam a existência de um sentimento de se ser territorialmente livre (por cima de partidarismos) que chegou até ao presente.

nafarroan.com: Há gente que critica que “uns e outros” andem a discutir a história quando os nossos problemas do presente são tão graves. O que é que lhes responderias?

Pello Esarte: Que assinalar aquilo de que é bom e mau falar é sintoma de fascismo. Que o correcto era que tudo fosse sujeito a debate, e que “democrático” era que todas as vozes fossem públicas, nos mesmos parâmetros e com o mesmo alcance nos meios de comunicação, para serem ouvidas. Que quando virmos os que acedem às publicações que se citam, logo veremos a condição colaboracionista dos que mandam e que apenas admitem a sua ideologia.

nafarroan.com: Como vês a composição da Comissão?

Pello Esarte: Primeiro, uma confissão: estou sempre a ver quem é que vai a estas ou àquelas manifestações. Umas, vejo-as sempre repletas de gente que cobra os impostos que pago. Vejo que essa Comissão representa a história oficial dos que cobram e querem manter-se no seu posto, embora tenham que continuar a repetir que o povo basco não existe e que Navarra é uma comunidade espanhola. Eu estou com aqueles que comem o pão que o diabo amassou por manifestarem os seus ideais, e sem cobrar por tal.

nafarroan.com: Que podemos fazer para desmontar as mentiras sobre a nossa história?

Pello Esarte: Quem se interessa pelo tema, leia o que todos publicam; quem tem sentimentos arreigados, colabore de modo a que outros conheçam os factos na sua realidade; e quem deseja celebrar a recuperação da Memória histórica, trabalhe em todo o tipo de actos que a plataforma Nafarroa Bizirik 1512-2012 venha a convocar.

nafarroan.com: Qual é a referência mais significativa que vês na organização oficial?

Pello Esarte: A que foi expressa pelo presidente da província navarra Miguel Sanz – “Em 1512 tem lugar a incorporação em Castela, dando forma à Navarra autonómica, foral e espanhola”.
O seu colaboracionismo abarca a destruição das filosofias do acordo de 1841 e dos que subscreveram o chamado “pacto”, bem como os defensores - Aizpún, Jaime e Jaime Ignacio Del Burgo, Florencio Idoate, Raimundo Aldea, etc. - de que foi nessa data que Navarra passou de reino a província foral. Nenhum deles chegou tão longe na provincialização de Navarra e no falseamento dos ideais dos seus habitantes quanto o fizeram os colaboracionistas navarros membros desta comissão.