segunda-feira, 21 de setembro de 2009

Vacinas e vírus independentistas


Epaltza, acusador público e juiz ao mesmo tempo, decreta uma sentença que parece condenar a ETA mas que na realidade o absolve a ele e a todos aqueles que jamais se atreveriam a provocar o enfado dos guardiães da sacrossanta unidade espanhola

A realização da consulta de Arenys de Munt motivou uma polémica com diversas frentes em que, como era de esperar, se falou de Euskal Herria. Há quem, mostrando bastante coragem, tenha comparado esta consulta com a de Ibarretxe, cujos promotores nunca levaram a sério e que não contemplava a opção da independência.
Outros sublinharam a oposição do Estado espanhol, ainda que a reacção governamental tivesse sido diferente se fosse - por exemplo - a Câmara Municipal de Leitza a convocar uma consulta sobre a independência do nosso país. E aqueles que impedem que qualquer terra realize uma consulta sobre o TGV alardearam a sua hipocrisia erguendo a bandeira da participação popular. É tudo mais bonito quando acontece em Arenys de Munt, onde não há ETA.

É inegável que estas «argumentações» são muito úteis para encobrir cobardias e vender gato por lebre no mercado político basco. A julgar pelo que ouvimos um dia atrás do outro, sem a ETA este país estaria repleto de independentistas dispostos a enfrentar o estado espanhol. Nos tempos de Lizarra-Garazi ou do último cessar-fogo da ETA procurámos em vão esse ardor que tanto alardeiam, mas só encontrámos verdadeiro pânico perante a passagem das palavras aos actos.

Alguns ilegalizam partidos e mandam gente para a prisão por se apresentarem às eleições enquanto exigem à ETA que abandone a luta armada para que a esquerda abertzale faça «política» (o que é que fez até agora, ponto de cruz?). Outros afirmam que é a luta armada que impede a construção da nação basca, embora eles tenham caminhado na direcção oposta ao longo dos últimos 30 anos.

Há alguns dias, lia um artigo do sempre genial Aingeru Epaltza. Segundo ele, «sonhar não tem mal nenhum», mas há «muitas outras coisas às quais podemos dedicar melhor os nossos esforços, desde a cultura ao trabalho em prol dos mais desfavorecidos». E acrescentava: «É provável que os nossos filhos vejam uma Escócia independente ou mesmo um estado catalão (sem Valência e as Baleares), entidades todos elas que porventura façam mais felizes os seus habitantes. Aqui não. Aqui a ETA vacinou este país contra o independentismo, e isso pode durar gerações».

É forçoso reconhecer a capacidade de Epaltza para a síntese do conjunto de tópicos do discurso autocomplacente dos pusilânimes. Poucos expressam com a sua má intenção a obsessão por passar à ETA a factura das suas próprias misérias. Epaltza, acusador público e juiz ao mesmo tempo, decreta uma sentença que parece condenar a ETA mas que na realidade o absolve a ele e a todos aqueles que jamais se atreveriam a provocar o enfado dos guardiães da sacrossanta unidade espanhola.

Assim se constroem os discursos que encobrem o medo da confrontação com o nacionalismo espanhol. Epaltza tem todo o direito do mundo de criticar a ETA, de repudiar a luta armada ou opinar sobre a estratégia da esquerda abertzale. O mesmo direito que temos nós de nos felicitarmos pelo fracasso daqueles que, como ele, não foram capazes de vacinar a nossa sociedade contra o vírus do independentismo.

Floren AOIZ
Fonte: Gara