sábado, 27 de março de 2010

Versões oficiais, cal viva e memória colectiva


Pessoas que se viram afectadas ao longo da sua vida pela repressão ou a guerra suja convocaram mobilizações em várias localidades navarras para dia 31 de Março. Denunciar o que se passou com Jon Anza é o objectivo destas manifestações.

O desaparecimento de Jon Anza representou o expoente máximo da chamada Guerra Suja do século XXI, que em Nafarroa teve dois episódios nos sequestros de Dani Saralegi e Alain Berastegi. Passaram já várias semanas desde que o corpo do refugiado e militante abertzale foi encontrado na morgue de Toulouse. A versão oficial não dá respostas às múltiplas questões que se acumulam nas cabeças de todos e todas.

Ainda por cima, como se não bastasse, para não esclarecer essas questões, procuram incriminar quem expõe publicamente as suas suspeitas sobre o que terá podido acontecer ao Jon: que Jon Anza foi sequestrado, torturado e assassinado por elementos das forças policiais espanholas.

Até ao momento, a única versão que foi posta de parte, e não porque seja eu a dizê-lo, mas a própria procuradora de Baiona, Anne Kayanakis, foi a de Alfredo Pérez Rubalcaba, ministro do Interior do Estado espanhol: «Jon ha huido con el dinero al Caribe y por eso ETA nos pide que lo busquemos».

Euskal Herria, e Nafarroa em concreto, conhece de sobra quais são os objectivos das versões oficiais. Quando, em 1978, Germán Rodriguez foi assassinado em plena rua durante os Sanfermines, a versão oficial falou de «erros», mas nunca foi reconhecido que estes acontecimentos estivessem preparados ou que tivessem um objectivo político. Em 1979 Gladys del Estal foi assassinada em Tutera pela Guarda Civil. Dessa vez a versão oficial falou de «luta» e de «disparo fortuito e acidental». Quem assistiu ao que se passou disse que foi uma execução.

Em muitas outras ocasiões não houve testemunhas para rebater a versão oficial: «Mikel Zabalza afogou-se» no rio Bidasoa em 1985 «quando tentava fugir», depois de ter sido detido pela Guarda Civil de Intxaurrondo; Susana Arregi e Juan Mari Lizarralde «suicidaram-se quando se viram encurralados pelas forças policiais, ajudados por German Rubenach» na Foz do Lumbier, em 1990; Mikel Iribarren «queimou a cara com um cocktail molotov» durante uns incidentes em 1991; o militante da ETA Josu Zabala Basajaun «suicidou-se em 1997» no alto de Deba; Igor Portu e Mattin Sarasola lesionaram-se ao «oferecer resistência durante a detenção», em 2008.

Mas todos sabemos que Mikel Zabalza foi torturado até à morte em Intxaurrondo, e que posteriormente lhe injectaram água do Bidasoa nos pulmões. O Tribunal de Estrasburgo condenou o Reino de Espanha pelas lesões que um agente espanhol não identificado provocou na cara de Mikel Iribarren com uma lata de gás lacrimogéneo. Temos a certeza de que Susana e Juan Mari não se suicidaram, mas que foram executados pela Guarda Civil. Quem conhecia Josu Zabala não tem dúvidas de que foram polícias a acabar com a vida de Basajaun. E um juiz de Donostia imputou vários guardas civis por agredir e colocar à beira da morte Igor Portu.

As versões oficiais do Interior cheiram a ranço em Euskal Herria e põem a descoberto as vergonhas de estados que se autodenominam democráticos, Estados de Direito, mas que na realidade são frágeis face à verdade que os despe e os mostra tal como são perante a opinião pública. Tanto Espanha como França praticaram ou colaboraram com a guerra suja e os crimes de Estado, mas nunca o reconheceram, e quem participou nestas actividades ficou sempre impune ou pagou um preço muito barato pelos seus crimes.

Mas Euskal Herria tem memória, e não vai parar até que a verdade sobre o sucedido com Jon Anza venha a público. Talvez tenham de passar tantos anos como os que transcorreram entre o desaparecimento de Lasa e Zabala e o regresso dos seus corpos a Euskal Herria, mas nem a cal viva de então nem as versões oficiais de agora farão com que os Galindos e Rubalcabas de sempre passem à história como pessoas de honra.

Josu ESPARZA
membro do Movimento pró-Amnistia
Fonte: apurtu.org