terça-feira, 10 de fevereiro de 2009

O ST confunde o partido Askatasuna com o organismo pró-amnistia


O Supremo Tribunal comete um erro manifesto no auto em que anula as candidaturas da Askatasuna: num dos seus “factos concretos” confunde o partido com o organismo pró-amnistia homónimo, cujas actividades Garzón já suspendeu em 2002. E esse é um dos indícios para falar da “transversalidade do complexo ETA/Batasuna”.

O Supremo Tribunal baseia a anulação das candidaturas da Askatasuna na “convicção jurídica”, assente nos indícios acumulados, de que este partido sucede ao Batasuna. E chega a afirmar com contundência que “os dados expostos revelam que o processo de conformação das candidaturas eleitorais da Askatasuna que nos ocupam foi gerado e dirigido em todo o momento pela rede ETA/Batasuna”.

Para além de na centena de fólios do auto não se encontrar qualquer prova material da gestação nem da direcção das candidaturas, uma vez que as Forças de Segurança do Estado espanhol reconhecem que nem sequer detectaram nenhuma actividade do partido, o mais interessante é que um dos “factos concretos” em que se assenta a relação do partido com “ETA/Batasuna” constitui um enorme deslize judicial do Supremo Tribunal.

Citação textual do auto
Na página 54 do auto, dentro do apartado “B) Factos concretos” e em referência “aos indícios ou factos indiciários de carácter objectivo e subjectivo que permitirão a esta Sala formar a sua convicção acerca da sucessão fraudulenta que se pretende”, faz-se menção a «uma série de documentos confiscados no dia 23 de Janeiro de 2009, na sede da Gasteiz Izan Herri Ekimena, sita na rua Colá y Goti n.º 5, r/c, de Vitória” que figuram num auto do magistrado Baltasar Garzón.

O Supremo Tribunal afirma textualmente que: “Entre os documentos apreendidos no local referido, encontrou-se uma ampla documentação relativa ao Batasuna, à Segi, ao Ekin, ao Euskal Herritarrok, à Eta e, em relação à ASKATASUNA, os seguintes:

- Cartazes da ASKATASUNA com o texto «PNV TRAIDORES».

- Cartazes da ASKATASUNA em que aparecem imagens de Mariano Rajoy Brey, Baltasar Garzón Real e José Luis Rodríguez Zapatero, juntamente com o texto «Faxistak».

- Cartazes da ASKATASUNA com fotografias do colectivo de presos da ETA.

- Documento sobre um seminário da ASKATASUNA.

- Documento da ASKATASUNA sobre presos enfermos.

Tais factos evidenciam a transversalidade do complexo ETA/BATASUNA, servindo as diferentes organizações, pessoas, locais e domicílios relacionados com a dita rede como base operativa comum para conter informação e realizar actividades dos grupos citados, entre os quais se encontra a ASKATASUNA”.

Qualquer pessoa que conheça a realidade basca terá perfeita noção de que os cartazes ou a documentação atribuíveis à Askatasuna e que tenha relação com os presos não pertence ao partido político com esse nome, mas à organização anti-repressiva cuja ilicitude ditou Baltasar Garzón no dia 5 de Fevereiro de 2002 como sucessora das Gestoras pró-Amnistia. Ambas as organizações foram dissolvidas pela Sala Penal da Audiência Nacional em sentença firmada a 15 de Setembro de 2008.

De facto, o auto de Baltasar Garzón em que se inclui o material apreendido nas sedes da Gasteiz Izan e da Herria Aurrera não estabelece qualquer relação entre os mencionados cartazes e documentos e o partido Askatasuna.

Além disso, a própria afirmação do Supremo Tribunal segundo a qual não foi detectada qualquer actividade do partido desde a sua participação nas eleições de 2001 entra em contradição com a atribuição da impressão de cartazes ou a elaboração de documentos.

Estranha declaração de Otegi
Outra mostra da singularidade do auto do Supremo Tribunal pode encontrar-se na página 58, na qual se afirma textualmente que: “‘o Diario de Euskadi, datado de 12 de Abril de 2001, incluía estas declarações do porta-voz da MN do HB Arnaldo OTEGI relativas à possível relação da plataforma abertzale com a ASKATASUNA: “nós não temos absolutamente nada a dizer sobre isso’”. (separata A, Anexo 25, do documento no 7 anexo à demanda do Magistrado do Estado).

Nessa declaração, afirma “que sim, que é coordenador do BATASUNA no eskualde de Tolosaldea [...] além de membro da Mesa do Herrialde do BATASUNA” e que também fez parte “de uma candidatura denominada ASKATASUNA, que foi organizada pela Esquerda Abertzale durante as eleições autonómicas de forma a mitigar os efeitos que pudesse ter a possível ilegalização judicial do BATASUNA”.

Na realidade, essas últimas declarações são atribuídas pela Guarda Civil a Jokin Aranalde – detido em Março de 2002 e posto em liberdade sob caução de 12 020 euros na presença do juiz – o qual, convém recordar, já apresentou um detalhado relato de torturas ante Baltasar Garzón.

O «razoável» para o ST
O “facto concreto” número 9 especifica que a Askatasuna não levou a cabo qualquer tipo de actividade desde 2001, mais a apresentação perante a Junta Eleitoral das suas actuais candidaturas. Os relatórios das FSE falam até de “uma total inactividade orgânica” nestas datas pré-eleitorais.

A única actividade detectada a alguns dos candidatos da Askatasuna é ter feito parte das 47 337 pessoas que subscreveram a D3M.

Como é que o Supremo Tribunal explica tudo isto? Segundo escreve textualmente na página 98 do auto que anula as candidaturas, “é razoável pensar que essa é a ordem que ASKATASUNA recebeu da ETA e que aquela transmitiu aos seus candidatos. O que, por seu lado, indica a vinculação à ETA tanto da ASKATASUNA como da D3M”.

Convém chamar a atenção para o facto de em nenhum momento se especificar como, quando, onde a ETA transmitiu ordem alguma à Askatasuna ou à D3M nesse sentido. Tudo se reduz ao que “é razoável pensar” sob a óptica do Supremo Tribunal, o mesmo que confunde organizações.

As defesas da Askatasuna e da D3M dispõem do dia de hoje para apresentar os seus recursos ante o Tribunal Constitucional espanhol, que deverá tomar uma decisão antes de que, às 00h00 de sexta-feira, 13, comece a campanha eleitoral.

Iñaki IRIONDO
Fonte: Gara