segunda-feira, 2 de fevereiro de 2009

Representantes eleitos apelam desde Amaiur à conquista da memória e do futuro

Apesar dos cinco séculos de conquista espanhola, a iniciativa «1512-2012. Nafarroa bizirik» mostrou ontem em Amaiur a vitalidade de um povo que aspira à recuperação do Estado que lhe foi arrebatado pelas armas. Junto ao histórico e simbólico Castelo de Amaiur, cerca de mil pessoas homenagearam os defensores da independência navarra. Meia centena de municípios de todos os herrialdes [territórios] deram o seu apoio a uma iniciativa que se prolongará até 2012.

O começo do acto organizado pela iniciativa «1512-2012. Nafarroa bizirik» estava anunciado para as 11h em Gaztelumendi, junto ao monumento aos defensores do Castelo de Amaiur, mas os controlos da Guarda Civil, os problemas derivados da falta de espaço para estacionar e a grande afluência de gente fizeram com que só começasse às 11h40. A essa hora, várias centenas de pessoas acomodaram-se como puderam junto ao histórico castelo, cujas ruínas estão agora a ser trazidas para a luz. Muitos dos participantes traziam ikurriñas, símbolos de Nafarroa e bandeirolas com o Arrano Beltza [águia negra, um dos símbolos da soberania basco-navarra]. Algumas destas bandeiras foram usadas para tapar as inscrições pintadas de carácter fascista realizadas na noite anterior nesse mesmo monumento.

Esta acção foi denunciada na intervenção do ex-jurado de Amaiur, Miguel José Ariztia, que compareceu junto ao actual jurado, Julián Rekalde, para dirigir algumas palavras de boas-vindas aos participantes no evento.

Esquerda abertzale, EA e Aralar
Ariztia também fez saber que o acto de ontem é o primeiro dos que se vão celebrar ao longo dos próximos três anos, por ocasião da passagem dos 500 anos sobre a conquista de Nafarroa por parte das tropas castelhanas. Depois de uma crítica aos que “nos andam a ocultar a nossa história”, realizou-se uma oferenda floral junto ao monumento. Em seguida um dantzari dançou um aurresku de honra e interpretou-se o «Agur jaunak», tudo isso entre gritos de “independentzia” por parte dos participantes. Entre estes encontravam-se alguns políticos conhecidos do Eusko Alkartasuna, como Rafa Larreina ou Maiorga Ramírez, e também alguns representantes eleitos do Aralar, mas sobretudo simpatizantes e vereadores da esquerda abertzale.

Posteriormente, os assistentes começaram a descer em direcção à localidade de Amaiur, cuja praça se tornou pequena para acolher as mil pessoas que se tinham deslocado até ali.
O palco colocado na praça do povo surgia decorado com um painel com o lema «Tanto monta, monta tanto», em alusão ao conhecido lema dos Reis Católicos, que comandaram a conquista do antigo reino basco. Este painel foi desmontado entre os aplausos dos assistentes, tendo então aparecido um outro em que se lia «1512-2012. Nafarroa bizirik». Desta forma quis-se representar simbolicamente que cinco séculos depois da conquista espanhola “o sangue dos nossos antepassados continua quente”, tal como glosaram os bertsolaris Manolo Arozena e Bittor Elizagoien. Entre aplausos e gritos de “independentzia”, foram subindo ao palco representantes de meia centena de municípios bascos que já deram o seu apoio à iniciativa «1512-2012. Nafarroa bizirik», entre os quais se contam vários de Ipar Euskal Herria [País Basco Norte]. Nalguns municípios de Hego Euskal Herria [País Basco Sul] esta iniciativa contou com o apoio de vereadores do PSE e da UPN.

Virginia Aleman (EA), autarca do Município do Vale de Baztan, agradeceu a presença de todos estes representantes eleitos e cedeu a palavra a três autarcas de outros tantos municípios que apoiaram a iniciativa. Diego Goñi, de Villatuerta, disse em primeiro lugar que um dos motivos para o seu apoio é o desejo de “recuperar e consolidar a cultura de nosso povo”.
Jojo Goyenetch, autarca do município baixo-navarro de Lekunberri, fez de seguida uma breve resenha histórica sobre os acontecimentos de há cinco séculos, recordando como as tropas castelhanas também tentaram conquistar Nafarroa Beherea por meio das armas. Goyenetch mostrou-se orgulhoso pelo facto de, 500 anos depois, os habitantes deste herrialde continuarem a manter a sua consciência de navarros e de euskaldunes.

O terceiro autarca a fazer uso da palavra foi José Mari Dorronsoro (EA), de Gernika, que, depois de aludir à simbologia que Amaiur possui para os soberanistas, pediu para “deixar a violência de lado”, de modo a avançar em direcção à independência. Nesse momento foi interrompido por alguns apupos vindos da assistência e gritos de “Borroka da bide bakarra” [a luta é o único caminho], para concluir a sua intervenção com um “Gora Euskal Herria askatuta” [viva o País Basco livre].
Seguidamente, houve uma saudação para Patxi Urrutia, ex-deputado abertzale e habitante de Amaiur que se encontra encarcerado pela sua militância na esquerda abertzale. Uma grande fotografia sua foi colocada num lugar de destaque da praça do povo. Entre gritos de “Euskal presoak etxera” [os presos bascos para casa], também foi feita a evocação de José Ramón Aranguren, recentemente falecido. Foi precisamente um filho deste último, Gaizka Aranguren, quem se encarregou de explicar em euskara, castelhano e francês o sentido da iniciativa «1512-2012. Nafarroa bizirik».

«Territorialidade carcomida»
“Navarra, a estrutura política de que se dotaram os bascos, foi invadida em 1512. O que é certo é que a sua territorialidade já antes tinha sido carcomida. Castela, mãe da Espanha imperial, tinha engolido três séculos antes os territórios ocidentais da Bizkaia, de Araba e de Gipuzkoa”, lembrou Aranguren, depois de referir que 1512 é a data simbólica “mãe” para os euskaldunes.

Depois de destacar que a maioria dos municípios bascos ainda não tinha tido tempo para debater em sessão plenária a moção proposta por esta iniciativa popular, Gaizka Aranguren manifestou-se confiante quanto a futuras adesões e, ao mesmo tempo, fez um apelo a pessoas particulares e associações para que dêem um impulso a esta iniciativa em cada terra.
“Temos que recordar o que ocorreu para termos consciência do que perdemos e iniciar o caminho da sua recuperação. Para isso é necessário que os nossos vizinhos conheçam o que se passou e tirem as suas próprias conclusões”, acrescentou.
Neste sentido, mostrou a disposição desta iniciativa para fazer sessões de esclarecimento em cada localidade, através de material audiovisual e com a ajuda de especialistas. “É importante – disse – conhecer quem, e quando e como, nos conquistou, para que depois cada qual possa decidir quando e como há que superar essa conquista”, embora tenha também precisado que “alguns estão muito confortáveis enquanto conquistados, e que outros não se sentem conquistados”.

Gaizka Aranguren concluiu recordando os conhecidos versos de Monteagudo: «La Navarra de aquel año / mucho fue lo que perdió / pues perdió su independencia / prenda de inmenso valor». O acto terminou com música de txistu [flauta basca], gaita e bailes na praça de Amaiur.

Iñaki VIGOR


Inscrições fascistas e controlos da Guarda Civil
Muitas pessoas que ontem acorreram a Amaiur depararam, já perto desta localidade, com a presença dos controlos efectuados pela Guarda Civil, coisa já habitual sempre que se organiza um evento de tendência abertzale. Os agentes deixaram passar a maior parte dos participantes nos actos organizados pela iniciativa «1512-2012. Nafarroa bizirik», mas também mandaram parar, revistaram e identificaram muitos outros, sobretudo jovens.

A indignação gerada pela existência destes controlos converteu-se em crispação quando os assistentes ao acto de Gaztelumendi depararam com várias inscrições pintadas de carácter fascista, que, segundo informaram os habitantes da localidade, tinham sido realizadas na noite anterior.
As inscrições apareciam nos quatro lados do monólito de homenagem aos 300 homens que em 1512 perderam a vida frente às tropas castelhanas, em defesa da independência de Nafarroa, e em especial sobre as inscrições em euskara que evocam aqueles acontecimentos.

“Naparra España da”, “Gora España”, “Viva Cristo Rey” e “Gabatxos maquetos” eram algumas das frases pintadas nas pedras do monumento. Também apareceu com inscrições semelhantes o Monumento ao Soldado Desconhecido, situado no caminho de acesso ao Castelo de Amaiur.
Os comentários à volta destas inscrições foram constantes durante o acto que se celebrou em Gaztelumendi, e ninguém tinha dúvidas relativamente à sua autoria. “Os mesmos de sempre, esses tais que nos colocaram entraves para chegar até aqui”, comentava uma mulher junto ao monólito.

Fonte: Gara