sábado, 16 de janeiro de 2010

Euskal Herria, hieróglifo penal


Aos pessimistas quero-lhes recordar as marés humanas que queriam parar a história manifestando-se da Sol à Cibeles para que a Micronésia continuasse a ser espanhola. Coitaditos, que ilusão!

Depois da proibição da marcha da Etxerat, começa-se a saber de fonte segura que a liberdade é um bem escasso para a sociedade basca. Num qualquer momento da produção e do desfrute da liberdade observa-se uma realidade distorcida ou mascarada, ao ponto de não poder ser reconhecida nem pela sua sombra, pois em Euskal Herria utiliza-se a prisão para confinar à força um sector da população que tem ilegitimamente abolidos os seus direitos. E o protagonismo da repressão aumenta quando os socialistas, como as marés humanas que desfilaram há dois séculos da Cibeles até à Sol para reivindicar a Micronésia espanhola, seguem a flecha do imperialismo nacional espanhol e decidem continuar com os discursos espanholistas que nada tem a invejar aos de Areilza ou Castiella.

O hieróglifo penal muda conforme os ventos políticos do momento, e podemos falar do enigma secreto que uma parte da sociedade basca padece, quando alguém que sai em liberdade definitiva volta a ser encarcerado para cumprir mais dez anos sem enfrentar um novo processo, ou quando o juiz que não encontra matéria criminal num texto recebe ordens do superior de turno para abrir uma causa penal contra o autor; mas a melhor prova do hieróglifo penal em Euskal Herria é a utilização política que se faz da prisão quando membros da esquerda abertzale são detidos por trabalhar pela independência e antes do julgamento os acusam de ser dirigentes da ETA. Drama político e social.

Cada vez que o exercício pelo direito a decidir se erige democraticamente como objecto de discurso, começa a operação de salvamento das espanhas em que o braço penal do Estado cria um continuum penitenciário que atinge tudo e todos; então, a fórmula «independentista mais homem ou mulher» identifica-se abertamente com a «causa provável» que justifica a detenção, o interrogatório, a inspecção, a tortura e a reclusão de centenas de bascos todos os anos. O regime constitucional quer utilizar este encarceramento massivo para estimular a morte civil, não só dos que apanha, mas de um amplo espectro social. Mas o que converte Euskal Herria num verdadeiro hieróglifo secreto é a forma como se investiga, como se detém, como se confessa e como se julga quem continua com ideias e com vontade de fazer política com a Lei de Partidos. As leis aqui constroem-se como as provas, limitando severamente a ponderação dos juízes na atribuição da sentença; assim, quando se atinge o tempo mais longo permitido por lei, aparecem novas leis draconianas que impõem penas perpétuas rotineiras. Perante esta barbaridade objectiva e a imbecilidade de Basagoiti, símbolo de uma forma de conceber e exercer o poder e o Direito, reflexo, em suma, daquilo que é, a ética espanhola de esquerda e de direita dão as mãos, não encontrando pontos de tensão entre o regime que é imposto aos presos políticos bascos e os direitos humanos.

Depois de múltiplas exclusões, as arbitrariedades que se verificam nas prisões assumem um carácter crónico e universal, e em virtude da natureza, do alvo e da frequência dos abusos surgiu a gigantesca onda jamais imaginada que pede a intervenção urgente de um poder legislativo independente e exige ao Poder Executivo que deixe de aplicar a vingança política sancionada por lei para superar um conflito.

A sensibilidade da sociedade basca escandalizou-se e respondeu em Bilbo, «roçando a legalidade», no dizer dos socialistas, que se afundam na ilegalidade penitenciária a despeito das observações jurídicas internacionais. É que o encarceramento dos presos políticos bascos não ocorre num ambiente legalmente protegido e isolado de arbitrariedades. O que no início consistia em incontáveis privações com sofrimento físico e pessoal transformou-se, graças aos dirigentes das instituições penais e à colaboração dos seus guardas, num estádio psicológico e intelectual que implica também as famílias.

O objectivo principal era claro: separar o condenado para toda a vida, definitivamente, do seu ambiente social e familiar, com consequências pessoais e sociais devastadoras.

Este pessoal pode reabilitar alguém? Este tratamento ajuda a solucionar um conflito?

Toda a sociedade basca sofre este hieróglifo penal, mas aos pessimistas quero-lhes recordar as marés humanas que queriam parar a história manifestando-se da Sol à Cibeles para que a Micronésia continuasse a ser espanhola. Coitaditos, que ilusão!

Quando é que estes gachupines* se aperceberão de que as ideias não perdem o seu poder por estarem ilegalizadas, e de que os presos políticos saem pela mesma porta com a mesma vontade apesar de todas as armadilhas que lhes colocam à frente? Já só lhes vale a intoxicação política ao máximo nível para preparar a morte social das ideias, mas este já é outro hieróglifo.

Francisco LARRAURI
psicólogo
Fonte: Gara

Gachupines: espanhóis estabelecidos no México ou na Guatemala; designação pejorativa de «espanhóis» (México).