terça-feira, 11 de maio de 2010

Múgica Herzog diz à ONU que não encontra casos de tortura


Enrique Múgica Herzog já exerce na teoria como responsável antitortura no Estado espanhol. Ontem deu a conhecer a enviados da ONU os seus primeiros passos. Disse que não viu um só caso de tortura, apesar de nestes meses terem ocorrido detenções de polícias por esta razão e do pedido feito pela Procuradoria de Gipuzkoa no «caso Portu-Sarasola».

Enrique Múgica Herzog, Defensor do Povo e ex-ministro da Justiça, apresentou ontem o seu primeiro balanço como responsável do chamado Mecanismo Nacional contra a Tortura, depois de em Novembro passado o Governo espanhol o ter incumbido desta tarefa. Ante representantes da ONU, assegurou que começaram a visitar instalações policiais (fez referência a 54 revisões), não tendo encontrado um só caso de tortura «depois de falar com pessoas detidas, algumas delas pertencentes à ETA. Nem um caso de maus tratos», realçou Múgica Herzog.

Dá-se o caso de, desde Novembro, terem vindo a público vários episódios de detenções de agentes policiais por agressões nas esquadras, segundo recordou ao Gara Jorge del Cura, representante da Coordinadora estatal para la Prevención de la Tortura. A última, esta quinta-feira em Arrecife (Tenerife), onde dois agentes foram detidos e outros quatro são acusados de dar uma tareia a dois irmãos presos por uma zaragata de rua. «Também houve detenções em Maiorca ou em Valência, posto que, se Múgica não os viu, é porque não os quer ver», sublinhou Del Cura.

Mais, nestes meses ficou-se a conhecer também a acusação da Procuradoria de Gipuzkoa contra dez guardas civis, que são responsabilizados pelos actos de tortura e maus tratos sobre os bascos Igor Portu e Mattin Sarasola em Janeiro de 2008. O texto de acusação não recebeu nenhuma avaliação por parte do Governo espanhol, pelo que é certo não terem sido tomadas medidas contra os imputados. Na verdade, o ministro do Interior, Alfredo Pérez Rubalcaba, defendeu que as feridas dos alegamente torturados não tinham sido causadas por práticas de tortura, mas ficavam-se a dever a um confronto no momento da detenção.

Pondo de lado estas questões, Múgica colocou toda a tónica nas visitas referidas. Afirmou que irão pedir até «um aumento de patrulhas no nosso próximo orçamento». Em qualquer caso, o presidente do Senado e também dirigente do PSE, Javier Rojo, achou necessário dizer que «isto não implica que em Espanha exista um problema de tortura, mas advém da necessidade de prevenção mediante visitas inesperadas e regulares».

Por que não ao juiz?
Estas explicações foram ouvidas pelo vice-presidente do Subcomité para a Prevenção da Tortura da ONU, Mario Coriolano, que aconselhou a repetição das visitas aos mesmos centros de modo periódico para que os polícias «saibam que estão a ser controlados».
Estas instâncias da ONU incidiram reiteradamente na ideia de que a melhor fórmula para eliminar a tortura é suprimir o regime de incomunicação. Coriolano acrescentou ontem que o mais desejável seria não haver interrogatórios nos calabouços, mas que os detidos fossem levados directamente à presença de um juiz.

As restantes organizações intervenientes disseram que seguirão «com muito interesse» as acções deste Mecanismo, nas palavras de Mark Thomson (Associação para a Prevenção da Tortura, de Genebra). Esteban Beltrán (Amnistia Internacional) considerou que a tortura «não tem fim, mas que pode ser reduzida». E Fernando Mariño (Comité contra a Tortura da ONU) pediu que se aja não quando há denúncias, mas antes.

Segundo o Gara pôde saber, a sessão foi ocultada à coordenadora que reúne organizações do estado (entre elas TAT, Behatokia, Gurasoak ou Etxerat). No dia 19 de Abril escreveram a Múgica para lhe pedir informação sobre o Mecanismo, mas este limitou-se a responder que «tem vindo a funcionar com toda a normalidade». Referiu ainda que não está a pensar nomear o obrigatório Conselho Assessor por agora; alega que o seu mandato termina dentro de pouco tempo e acrescenta que «a sua inexistência não impede o funcionamento do Mecanismo».

Ramón SOLA

O julgamento relacionado com a tortura a Portu e Sarasola será em Outubro
O julgamento de quinze guardas civis acusados de tortura e maus tratos a Igor Portu e Mattin Sarasola foi marcado para o próximo mês de Outubro. A notícia ficou-se a saber, curiosamente, depois de ambos terem sido julgados na Audiência Nacional espanhola, juntamente com Mikel San Sebastián - detido mais tarde no Estado francês - sem esperar que se esclareça se as suas declarações policiais foram ou não forçadas pela Guarda Civil. Os depoimentos em que se dão como culpados representam, aliás, o principal elemento utilizado pelas acusações para lhes atribuir a autoria da explosão da T-4 de Barajas, e que esteve na base de um pedido de 1120 anos de prisão para cada um.

Na primeira sessão deste julgamento, Igor Portu e Mattin Sarasola fizeram alusão à tortura que sofreram, denúncia que vai ao encontro da acusação formulada pela Procuradoria de Gipuzkoa, ao imputar dez guardas civis. Portu, em concreto, disse ao tribunal que não ia depor porque tudo o que tinha a dizer na sala já o tinha dito na sua queixa por tortura. No entanto, a agência Efe veiculou uma versão diferente, baseada num erro inicial de tradução que depois foi sanado, segundo a qual Portu disse que tudo o que tinha a declarar o tinha feito «sob tortura». Esta versão incorrecta foi reproduzida também pelo Gara e distorcia completamente o sentido das palavras do preso basco.

Durante o julgamento pairou a sombra da tortura, embora o assunto não estivesse a ser julgado nesta audiência e vá ser apenas na que se irá realizar em Donostia. As acusações não hesitaram em usar os testemunhos obtidos nos calabouços como prova, apesar da probabilidade de terem sido arrancados sob tortura (Portu acabou na UCI). A defesa, por seu lado, pediu a absolvição depois de rejeitar a desculpa oficial recorrente segundo a qual as denúncias provêm de um «manual da ETA». Na verdade, recordou que San Sebastián não aludiu a nenhuma forma maus tratos. R.S.

Fonte: Gara

Ver também editorial do Gara: «Que as denúncias não "apodreçam" numa gaveta»