segunda-feira, 3 de agosto de 2009

O conflito não começou nem há 50 nem há 114 anos; a solução continua à espera do amanhã


Os últimos atentados da ETA foram vistos pela maioria dos analistas como uma tentativa de a organização armada mostrar a sua força por ocasião do 31 de Julho, que em muitas hemerotecas aparece como a data da sua fundação, em 1959. Esse alegado carácter «comemorativo» não foi posto em relevo em anos anteriores, de cada vez que a ETA iniciava o que os meios de comunicação e as autoridades espanholas denominavam «campanha de Verão», pelo que se afigura antes como um mero elemento circunstancial. Por seu lado, o Governo espanhol prefere insistir na ideia de que esta ofensiva constitui uma resposta aos sucessivos golpes policiais infligidos à ETA nos últimos meses. Mas, ao mesmo tempo, todos os poderes do Estado realçam publicamente que, com cada atentado, a ETA está mais próxima do seu fim, assegurando que este chegará por via da repressão policial.

Aproveitando as amplas reportagens que foram publicadas por meios bascos, espanhóis e de outros países, seria conveniente que essas autoridades, e também os dirigentes das formações políticas bascas, explicassem aos cidadãos o que mudou nos últimos cinquenta anos para estarem tão convencidos da derrota iminente da ETA. E, mais ainda, também deveriam explicar por que todos os seus antecessores - presidentes do Governo, ministros e conselheiros do Interior, comandantes da Guarda Civil... - se enganaram quando afirmaram a mesma coisa em 1980, em 1985, em 1990, em 1995... Inclusive, a muitos deles - como é o caso do actual chefe de Estado - dever-se-ia pedir responsabilidades que vão mais além no tempo, posto que participaram na ditadura franquista e esta também prometeu várias vezes que acabaria com a ETA mais tarde ou mais cedo.

O franquismo e a ETA
Essa insistência no destaque ao 50.º aniversário da ETA deixou bem patente a capacidade que os formadores de opinião no Estado espanhol têm para «esquecer» o contexto sociopolítico em que aquela surgiu, de que abordaremos nestas linhas apenas dois aspectos: a ditadura fascista e o ideário abertzale. Ao que parece, para os políticos e meios de comunicação espanhóis, entre 1959 e 2009 não existe qualquer elemento que explique por que razão o movimento independentista decidiu adoptar a luta armada como uma outra via para alcançar os seus objectivos políticos, que nunca foram assaltar o poder, mas criar um cenário democrático em Euskal Herria, no qual sejam verdadeiramente respeitados todos os direitos colectivos e individuais das suas cidadãs e dos seus cidadãos.

Nesse esquema, é tão condenável o atentado mortal contra o «polícia nacional» Melitón Manzanas em 1968 quanto o que custou a vida a dois guardas civis na quinta-feira em Maiorca; e é tão condenável o atentado contra «o presidente do Governo» Carrero Blanco em 1973 quanto o que foi perpetrado contra o presidente do Governo José María Aznar em 1995 (as aspas mostram como eram apresentados tanto o polícia torturador como o militar fascista num dos principais diários espanhóis nesta última sexta-feira).
Assim sendo, seria legítimo deduzir que não houve qualquer ruptura sociopolítica ou institucional no Estado espanhol no último meio século e, portanto, também não a houve em relação ao conflito político e armado que Euskal Herria sofre; além disso, e dando a volta ao argumento, seria tão justificável a luta armada contra a ditadura franquista como actualmente. Não se trata de negar as mudanças que houve, nas formas e no fundo, mas é necessário pedir mais rigor a quem interpreta factos históricos como se fossem historietas em que se pode alterar o guião e colocar os mesmos personagens em lados opostos sem alterar o moral da história.

Não existe tese, para além dos discursos políticos, que seja capaz de sustentar que o surgimento da ETA não teve nada a ver com o contexto de repressão que Euskal Herria vivia há cinquenta anos, como também não é aceitável afirmar que o PNV surgiu há 114 anos de geração espontânea, no dia a seguir ao de São Inácio. Nem aqueles que deram corpo à organização armada nem os que fundaram o partido nacionalista foram nenhuns iluminados, mas sim pessoas comprometidas com uma nação e com um ideário político - por mais distintos que fossem - que respondia a uma necessidade sociopolítica, ainda que estivessem longe de prever o impacto histórico que os seus actos iriam ter.

Da negação do passado à eliminação da realidade
Apesar de tudo, o unionismo espanhol, com a colaboração de muitos dirigentes políticos ligados ao ideário abertzale, pretende negar a história e, agora, decidiram que chegou o momento de apagar a realidade porque também não gostam dela. Controlando o Governo de Lakua e o de Iruñea, estão a fomentar iniciativas que atentam, um dia atrás doutro, contra o direito a defender uma opção política, contra a liberdade de expressão e, inclusive, contra o senso comum.
Mandar a Ertzaintza para terras em festa para que protagonizem incidentes como o que na sexta-feira conduziu à morte do vereador da esquerda abertzale Remi Ayestaran não é um sintoma de racionalidade; voltar a Usurbil no sábado para destruir os cartazes que reproduziam um mural pintado há 24 anos também não o é; perseguir judicialmente os responsáveis do Egunkaria ou da Gaztesarea é atacar a liberdade de informação; sequestrar e torturar Alain Berastegi é actuar como na ditadura; tapar os ouvidos para não ouvir quem pede explicações sobre o paradeiro de Jon Anza não é uma atitude democrática...

O passado e o presente deste país não podem ser manipulados ao gosto de cada um. E neste momento a solução continua na sala de espera da negociação. Amanhã, será novamente tarde para começar a trabalhar.
Fonte: Gara