domingo, 30 de agosto de 2009

Vivam Galindo, Vera, Barrionuevo, Amedo...! Vivam!


O título irónico deste artigo de Sabino Cuadra resume a impunidade que gozaram e gozam governantes, polícias e militares espanhóis. As penas a que foram condenados os membros dos GAL e as que efectivamente cumpriram são exemplo dessa impunidade, que contrasta com o caso dos presos políticos bascos, obrigados a cumprir as penas na íntegra, quando não as vêem aumentadas, ou a permanecer na prisão mesmo quando sofrem de doenças graves. Como conclusão, Cuadra acha ajustado prolongar com uma conhecida canção o discurso batido que exalta o estado de direito, a justiça e a democracia que desfrutamos.

Na verdade este artigo é uma experiência. É para ver o que é que acontece depois de o escrever. Gostaria, por outro lado, que este texto pudesse vir acompanhado das fotografias de todas estas pessoas, pois assim tudo seria mais actual. Mas vamos ao que interessa: será ilegal dar vivas aos patriotas acima mencionados, condenados a dada altura por sequestros, tortura e assassínios?

Enrique Rodríguez Galindo, ex-general da Guarda Civil: presente! Condecorado com 13 cruzes de ouro e prata, medalhas e recomendações várias. Condenado a 71 anos de prisão pelo sequestro e assassínio de Lasa e Zabala. Promovido de comandante a general enquanto tudo aquilo se passava. Cumpriu apenas quatro anos e meio de prisão, sendo posto em liberdade por motivos de saúde.

José Barrionuevo, ex-ministro do PSOE: presente! Condenado a 10 anos de prisão e a 12 de inabilitação pelo sequestro de Segundo Marey e por malversação de fundos públicos. Foi parcialmente indultado (um terço da pena) e obteve um terceiro grau especial. Passou apenas três meses na prisão.

Rafael Vera, ex-secretário de Estado para a Segurança com o PSOE: presente! Condenado a 17 anos de prisão e a 12 de inabilitação pelo sequestro de Segundo Marey, malversação de fundos públicos e corrupção. Indultado parcialmente por Aznar. Cumpriu apenas dois anos e dois meses de prisão, a maior parte dos quais em regime aberto, indo lá somente dormir.

José Amedo, ex-subcomissário de Polícia: presente! Condenado a 117 anos de prisão por seis crimes de assassínio, sequestro, lesões e associação ilícita. Passou doze anos na prisão, metade dos quais em regime aberto.

A lista deste clube prossegue com Julen Elgorriaga, ex-governador civil de Gipuzkoa com o PSOE, condenado a 71 anos de prisão pelo sequestro e assassínio de Lasa e Zabala. A sua estada na prisão não chegou a dois anos, ficando livre por motivos de saúde; Julián Sancristobal, ex-governador civil da Bizkaia, condenado por sequestro e malversação a 10 anos de prisão e a 12 de inabilitação, cumprindo somente 15 meses... e há mais: Ricardo García Damborenea, Michel Domínguez, Miguel Planchuelo, Ángel Vaquero, etc.

Segundo os tribunais que julgaram todo o processo anterior, os GAL e toda a trama da guerra suja não constituíram grupo terrorista de qualquer espécie. Os sequestros, a tortura e a morte de Lasa e Zabala foram um facto extraordinário, sem qualquer relação com os crimes de Amedo e do seu grupo. Tratou-se, acima de tudo, de diversos «arrebatamentos» que acometeram naquela época uns quantos defensores zelosos da lei e da ordem, levando-os a torturar, sequestrar, matar, roubar, malversar... Uns não tinham nada a ver com os outros, nem nenhum plano esboçado a partir do governo, de uma instituição ou qualquer outro lugar. O facto de subcomissários e comissários policiais, oficiais, comandantes e chefes da Guarda Civil, governadores, secretários da segurança e ministros estarem enterrados até ao pescoço foi um acaso. O que se passa é que, como às vezes acontece com os cogumelos, a colheita delictiva daquela temporada foi abundante e pode por isso ter dado a sensação de algo mais organizado, mas disso, nada de nada.

Aos condenados não lhes foi aplicada nenhuma «doutrina Parot», mas exactamente o contrário. A média do cumprimento das penas não atinge sequer os 10%, mas isso também não quer dizer nada. Aqueles que os indultaram, decidiram a prisão aberta e os libertaram por motivos de saúde não fizeram favor algum. Estas medidas não respondiam a um pacto prévio com o Governo nem às ameaças que algum fez de dar com a língua nos dentes. E como não houve grupo armado nem eles eram terroristas, as concentrações socialistas em frente às prisões pedindo «amnistia, liberdade!» também não foram dissolvidas com balas de borracha.

E colorim, colorado, está o conto dos GAL acabado. Hoje já não resta nada daquilo. As torturas apontadas pela Amnistia Internacional ou o Comité de Direitos Humanos da ONU, o sequestro de Alain Berastegi e o desaparecimento de Jon Anza são denúncias carentes de qualquer fundamento. É verdade que na sua época também Amedo defendeu que os GAL eram «uma invenção do HB e de um jornalista batasuno» e depois admitiu o seu total envolvimento nas suas actividades, chegando a dar a entender que Felipe González estava ao corrente de tudo aquilo. García Damborenea também o afirmou, mas com maior contundência.

Em dias passados assistimos na imprensa a um interessante debate político entre distintas formações políticas navarras (Na-Bai, UPN, PSN...). Afirmava-se que, perante os atentados da ETA, não bastava expressar a condenação dos mesmos, sendo também necessário afirmar taxativamente a mais plena solidariedade com a Polícia, a Guarda Civil e as forças de segurança.

Não há que julgar as pessoas pela opinião que têm de si mesmas, pois isto seria estúpido. Hão-de ser avaliadas pelo que são, e não pelas virtudes com que se adornam. Da mesma forma, as instituições «democráticas», as forças de «segurança» e os tribunais de «justiça» não o são pelo mero facto de assim se autodenominarem. No nosso caso, muitas destas instituições deram continuidade, sem mais, com pequenas pinceladas, às que existiram durante os quarenta anos de ditadura.

Ocupações, cargas e detenções policiais percorrem hoje as festas das nossas terras. O «euskal presoak, Euskal Herrira!» [os presos bascos para o País Basco] converteu-se, como por artes mágicas, em enaltecimento do terrorismo. Reclamar a liberdade, mesmo a dos que ainda não foram condenados por nada, é crime de lesa-pátria. Levar as suas fotografias leva agora a uma pena maior do que a propaganda ilegal nos tempos de Franco. Entretanto, Galindo, Elgorriaga, Sancristobal, Amedo, Vera, Barrionuevo, Danborenea... vivem com placidez o seu merecido descanso. Ou seja, vivemos num estado de direito, gozamos de uma democracia como poucas, os nossos juízes fazem justiça da boa e a Polícia desvela-se pela nossa segurança. Pelo mar correm as lebres, pelo monte as sardinhas.

Sabino CUADRA LASARTE
advogado
Fonte: Gara