segunda-feira, 19 de outubro de 2009

Uma maré humana na piscina


A maré humana que ontem saiu do túnel do Antiguo para inundar todo o centro de Donostia mostra as possibilidades históricas da unidade abertzale e explica os medos de Madrid. Há muita água na piscina para se poder avançar, ainda que isso se considere arriscado. O caminho está traçado.

O trabalho de Arnaldo Otegi, Rafa Díez, Arkaitz Rodríguez, Miren Zabaleta, Sonia Jacinto e muitos outros vai dando os seus frutos. Basta ver a resposta que operações policiais anteriores contra outras supostas reconstruções de mesas nacionais tiveram e compará-las com a imensa manifestação que no sábado percorreu Donostia. Não é que estes detidos caiam melhor que outros, visto que anteriores encarceramentos do próprio Arnaldo Otegi não suscitaram uma contestação tão grande com uma convocatória tão plural. O que acontece é que há vários meses que se têm vindo estabelecer as bases para pôr em marcha uma estratégia independentista eficaz, e os dirigentes das principais organizações abertzales - como o ELA e também o EA - têm noção da seriedade do trabalho que os detidos vinham a desenvolver. Por isso agora foi possível darem o passo de pedir às pessoas que viessem para as ruas.

Alfredo Pérez Rubalcaba enganou-se redondamente, ao ponto de alguns dos partidos que tinha escolhido como interlocutores para o acompanharem na sua tentativa de sabotar a iniciativa política que a esquerda abertzale preparava não terem tido outro remédio senão juntar-se ao protesto. Ali esteve uma boa parte do EBB [órgão central] do PNV, representado pelos presidentes das suas diversas executivas regionais. O ministro do Interior afirmou de manhã que «já disse» ao PNV no que é que os agora detidos andavam metidos. Pelos vistos, os jeltzales não acreditaram nele ou têm as suas próprias fontes de informação e, sem dúvida, conhecem suficientemente a realidade de Euskal Herria para saber que nem os encarcerados nem todos aqueles que no sábado se manifestaram em Donostia estão às ordens de «uma estratégia político-militar traçada pela ETA», como diz Rubalcaba.

O que se pôde ver em Donostia no sábado foi a representação de uma importante parte da cidadania basca que não quer aceitar atropelos antidemocráticos e até se sente bem a reivindicar conjuntamente a independência. A partir da convocatória da maioria sindical, foram muitas e diversas as siglas que aderiram ao apelo. Mas a ninguém que observasse a sociologia da marcha poderia escapar o facto de que uma grande maioria era constituída pela base da esquerda abertzale.

É uma base a quem o golpe inflingido por Rubalcaba e Baltasar Garzón conseguiu zangar, quase na mesma medida em que se vai enchendo de esperança e expectativa ao ir conhecendo os frutos do trabalho que os agora detidos desenvolveram. A manifestação de sábado, pelo menos para uma boa parte dos participantes, pode-se considerar também uma homenagem ao trabalho de Otegi, Díez, Zabaleta, Jacinto e Rodríguez.

Mas as manifestações passam e a base do independentismo tem agora pela frente o trabalho de dar conteúdo à iniciativa traçada e de a pôr em prática. E por muito que custe ao criador deste torpe intento de boicotar o salto previsto pela esquerda abertzale, a única coisa que conseguiu foi acicatar a sua militância e, muito provavelmente, aumentar a assistência aos debates e a assunção geral dos princípios do processo democrático.

A maré humana de sábado deve servir à esquerda abertzale para ver que há água mais que suficiente para avançar, por mais arriscado que seja. E uma mensagem similar devem entender também as restantes organizações independentistas que vêem a necessidade de uma confluência entre as opções soberanistas. Há caminho para percorrer conjuntamente e vontade de o fazer.

Não será fácil, isso é evidente. E também é óbvio que surgirão contradições, como no sábado se pôde verificar nalguns momentos e espaços da manifestação. Mas ficou claro que com vontade e trabalho certeiro, sabendo cada qual de onde vem o outro e sobretudo para onde se quer ir, é possível alcançar uma estratégia comum. É disso que Madrid tem medo e porventura também alguns dos que se juntaram à marcha à última hora. Por isso esta é a estratégia eficaz, contra a qual foram emitidas as ordens de prisão.

Iñaki IRIONDO
jornalista
Fonte: Gara