segunda-feira, 11 de outubro de 2010

Hispanidade, a festa dos conquistadores


Um ano mais exigem que comemoremos a Hispanidade e a população civil recusa-se a semelhante requerimento. A anexação do nosso Estado teve pouco de voluntária e muito de forçada. Assunto grave para nós e também para os nossos conquistadores, que se meteram num valente lamaçal. Controlaram militarmente as nossas terras, mas não conseguiram apagar a nossa identidade; para alcançar esse objectivo (de pouco lhes serviam os seus canhões) tiveram de recorrer a outros estratagemas: amputar consciências, comprar vontades, amordaçar línguas, deitar abaixo fortalezas, limitar direitos e carcomer as instituições legítimas. E assim continuam. A conquista não acabou e muitas canalhices daqueles tempos mantêm-se plenamente actuais.

Hoje, como ontem, muitos pleitos contra os naturais afiguram-se ignominiosos, já que são abertos sem que os processados conheçam o crime que lhes é imputado. Os encarcerados pela sua resistência a Espanha continuam a ser submetidos a tormento; o presbítero Iraizoz - como muitos torturados actuais que pedem para ser liquidados - preferiu pôr fim à vida no calabouço a esperar por ela no potro. Os crimes de rebeldia contra o império passavam para a alçada de tribunais estrangeiros (preliminares da Audiência Nacional?). Os magistrados estrangeiros decretavam sentenças vingativas com base nas leis espanholas e ignorando o direito pirenaico pelo qual se tinham regido os nossos juízes. Caminhar com o rosto embuçado era delito; muito antes de que o infausto Atutxa perseguisse os jovens encapuzados, os seus predecessores espanhóis castigavam-nos com cem açoites. Hoje sacaram da cartola a Lei de Partidos, mas já no século XVI privavam os legítimos regedores de vilas e cidades dos seus cargos. Os acusados de bruxaria (agora terrorismo) deviam pagar do seu pecúlio o soldo dos inquisidores, prelúdio das fianças avultadas que a Audiência Nacional impõe. A gente daqueles tempos queixava-se dos muitos soldados que tinham de manter. Se tivessem visto o enxame de polícias que suportamos! Aquela soldadesca esvaziava as capoeiras; quem hoje efectua as detenções nocturnas faz o mesmo com os frigoríficos. A rainha casadoira passou por aqui em 1559 e o fausto organizado em sua honra deixou exauridas as nossas finanças; agora, as custosas visitas reais são contínuas. Os abusos contra os naturais cometidos por militares do Exército espanhol nunca foram castigados. Por estes dias protesta-se contra a nomeação de Iceta, bispo integrista ao serviço da coroa; a mesma queixa ouviu-se por aqui em 1525, quando a Corte espanhola nomeou Diego de Avellaneda.

Farto de tanta piroseira, Carlos Tena pirou-se há anos de Espanha: «Mais que estranho, este país é invivível... empório de mentira, simulação, hipocrisia, corrupção e franquismo». O lúcido escritor pôs o mar a separá-lo. Nós ficámos para recuperar a navarridade. Acompanhados de migrantes que vivem e se identificam connosco, vamos encher amanhã, dia 12, as ruas de Iruñea. Juntos reclamaremos a independência que as suas nações já conseguiram.

Jesús VALENCIA
educador social
Fonte: Gara