sexta-feira, 16 de dezembro de 2011

Homenagem em Gipuzkoa às vítimas do franquismo

Homenagens institucionais a vítimas do franquismo foram habituais nestes anos, mas a que se realizou esta quarta-feira na Deputação de Gipuzkoa teve maior alcance. Não se circunscreveu aos falecidos na guerra, mas tornou-se extensiva aos quarenta anos de regime; e não se restringiu às consequências bélicas, pois abordou também a violência policial.

O sofrimento de familiares como os de Jon Paredes Manot, Txiki, e Ángel Otaegi, os últimos fuzilados do franquismo, foi reconhecido institucionalmente pela primeira na quarta-feira. Foi na Deputação de Gipuzkoa, governada pelo Bildu, numa homenagem inédita pela dimensão temporal - e também política - dada à repressão franquista, que desta vez não se limitou ao que se passou entre 1936 e 1939.

No acto estiveram vítimas ou familiares destas, cerca de setenta no total. Entre elas, Jon Etxabe, julgado no processo de Burgos; Arantxa Bereziartua, companheira de Joxe Mari Quesada, falecido em 1968 por causa das torturas que sofreu nas mãos da Polícia; Ildefonso Pontxo Iriarte, detido e torturado várias vezes pela Polícia; ou Marcelo Usabiaga, que lutou nos maquis e passou 21 anos na prisão. O seu irmão Bernardo foi fuzilado pelos franquistas. Também estiveram presentes Antonia Manot, e Kepa e Mikel Paredes, mãe e irmãos de Txiki, e Mercedes Otaegi, tia de Angel Otaegi, que, tal como os restantes homenageados, tiveram nas mãos um cravo vermelho.

Para além de agentes sociais e sindicais, bem como de associações pela recuperação da memória histórica, a presença de representantes políticos foi notória, com excepção do PP, que declinou o convite. Da parte do PSE, estiveram a representante nas Juntas Lore Suárez e a conselheira do Emprego e Assuntos Sociais, Gema Zabaleta, cuja presença foi alvo de muita atenção mediática. Joseba Egibar (PNV), Antton Karrera (Ezker Anitza), Joseba Álvarez e Miren Legorburu (esquerda abertzale) e o autarca de Donostia, Juan Karlos Izagirre, também estiveram presentes, bem como o escultor Nestor Basterretxea, Joxean Agirre, do movimento Eleak, ou Mikel Martín, membro da EHGAM, que representa um colectivo que foi alvo de duras perseguições.

O caso da família de Txiki é bem significativo da falta de reparação, e mesmo de reconhecimento, a estas vítimas. Muito recentemente, a 27 de Setembro de 2009 e de 2010, a tentativa de colocar flores no túmulo, no cemitério de Zarautz, viu-se travada pela Ertzaintza, que não hesitou em entrar no cemitério com escudos, capacetes, bastões e espingardas de balas de borracha. Assim, no acto de 2009 obrigaram os presentes a retirar uma ikurriña e a bandeira republicana colocadas sobre o túmulo, e cinco cravos vermelhos que simbolizavam os fuzilados naquela manhã de 1975, apenas dois meses antes da morte do ditador. E em 2010 a Ertzaintza voltou a entrar no cemitério, alegando que tinha ordens da Audiência Nacional espanhola para vigiar o acto, para que não fosse cometido nenhum crime.

«Respeitar a minha memória»
Antecedendo a sala em que se realizou o acto, os lustres brilhavam esplêndidos no hall. Ao passear pelos arcos do palácio foral era impossível não nos determos nos candeeiros, na entrada, onde as pessoas de idade avançada que ali esperavam continham a emoção das inúmeras recordações que estavam quase a emergir.

E os sentimentos, as feridas, as cicatrizes que ainda não fecharam décadas passadas vieram à superfície. Mas fizeram-no para evitar o maior dos males: que aquelas mortes caiam no esquecimento. Como disse a directora do Departamento de Direitos Humanos e Memória Histórica da Deputação, «não podemos ser um povo sem memória. Graças àquelas lágrimas agora somos mar», disse, em alusão ao lema do acto.

O discurso do forense membro da Aranzadi, Paco Etxeberria, foi no mesmo sentido. Pediu a técnicos, professores e demais pessoas que falem de tudo isso e que o façam de um modo objectivo e imparcial, mas nunca neutral. Sublinhou que a memória e a dignidade são dois pilares fundamentais. Expressou a sua importância através de um facto verídico. Secundino Antón foi fuzilado na prisão de Ondarreta, e na véspera de ser assassinado enviou uma carta à sua esposa, Juanita: «Ensina-as (às nossas filhas) a respeitar a minha memória». E nessa direcção trabalham centenas de voluntários que pouco a pouco resgatam o que foram as gerações precedentes.

O deputado-geral pelo Bildu, Martin Garitano, encerrou a celebração. Falou na terceira pessoa e fê-lo também na primeira, dirigindo-se aos familiares de Jesús Larrañaga, Kandido Saseta ou Txiki e Otaegi porque, segundo confessou: «boa parte do compromisso político que mantive com o meu povo acendeu-se naqueles dias terríveis de 1975, quando um povo que não tinha esquecido a derrota, a humilhação, a perseguição, se levantou contra a ditadura. Não foi possível, mas tenho a convicção de que aquele vento de liberdade nos trouxe até onde hoje estamos». / Oihane LARRETXEA
Fonte: Gara