segunda-feira, 22 de setembro de 2008

Martxelo Otamendi: «Perseguirei até ao fim os que me torturaram e os que o permitiram»


Entrevista de Oihana LLORENTE a Martxelo OTAMENDI, torturado pela Guarda Civil

Otamendi afirma que não cessará de denunciar as torturas de que foi vítima às mãos da Guarda Civil, e, nesse caminho, acaba de interpor uma denúncia no Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, em Estrasburgo. A única coisa que o tolosarra espera é que “se actue de maneira independente e que se investiguem, de uma vez por todas, as denúncias de tortura”.

Martxelo Otamendi acaba de apresentar uma denúncia contra o “Reino de Espanha” no Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, em Estrasburgo, por não levar a cabo um processo judicial correcto relativamente à sua denúncia de tortura. Otamendi recorre a Estrasburgo depois de esgotar todas as fases do procedimento judicial espanhol, e fá-lo sozinho porque os seus companheiros do «caso Egunkaria» ainda não esgotaram as vias judiciais do Estado espanhol.

Por que decidiu denunciar o Estado espanhol no Tribunal Europeu?

Para que se investiguem, de uma vez por todas, as denúncias de tortura. No meu caso concreto, eu e os restantes companheiros do Egunkaria fomos submetidos a maus tratos e, no momento de os denunciar, deparámos com uma manifesta, preocupante e escandalosa falta de responsabilidade judicial no Estado espanhol. Estrasburgo não vai dirimir se houve ou não torturas, só entrará na questão da correcção do processo judicial que decorreu após a minha denúncia e na do ajustamento do processo ao que se deve levar a cabo para investigar se existiram torturas. Nós consideramos que a suposta investigação judicial tem muitos erros e é por isso que o vou denunciar na Europa.

O que é que espera?

Que actue de forma independente e que, se considerar que os nossos argumentos são válidos, que condene, que é o que há a exigir a qualquer tribunal. Apesar de tudo, creio que neste tipo de tribunais cada vez é mais difícil ganhar um caso; a pressão que deve haver em Estrasburgo deve ser terrível. Vai ser complicado.

O que implicaria uma sentença favorável?

Nalguns casos há uma sanção económica, mas o mais importante é que uma condenação deste tipo é uma vergonha diplomática e judicial para o Estado espanhol. Ao fim e ao cabo, são os juízes europeus que dizem aos espanhóis que estão a actuar mal e que não fizeram o seu trabalho, e isso é o que mais chateia um juiz; isso dói-lhes.

Como descreveria o momento em que foi informado que a sua denúncia tinha sido arquivada?

Sentes que estás a lutar contra todo um aparelho que encobre a tortura. Recordo como um magistrado da Audiência Nacional disse, uma vez, que existe por parte de alguns juízes uma negligência evidente da sua responsabilidade no momento de evitar que se torture. E assim é. Mas ainda, há um interesse judicial, policial e político na prática da tortura. Não se tortura gratuitamente e por vingança, há todo um aparelho que o encobre. E isso é um escândalo num estado que se crê democrático.

Não é desanimador?

Sim. Se o caso de Unai Romano não terminou com uma sentença condenatória, é porque há muito para fazer ainda. Mas existem duas opções: ou ficas em casa a lamber as feridas, ou continuas a denunciá-lo. Nós decidimos perseguir, até ao último minuto das nossas vidas, os que nos torturaram e os que permitiram que nos torturassem.

Nós pensámos ingenuamente que, com todo o nível de pressão gerado pelas nossas denúncias de tortura, as nossas iam ser as últimas. Mas logo te apercebes de que não é assim, que, independentemente de quem esteja no governo, aqui continuamos a assistir a denúncias de tortura.

Quem acha que permitiu as torturas que sofreram?

Fala-se sempre da polícia, da Guarda Civil, e é verdade que são eles os que a praticam, mas alguma responsabilidade deverá ter o juiz, não é? No meu caso, foi o juiz Del Olmo que decidiu que nessa noite eu não iria dormir em casa e que ficaria nas mãos da Guarda Civil durante cinco dias. Depois, compareci perante ele feito um trapo. Algo terá que dizer!

Trabalha-se o suficiente contra a existência desta prática?

Sim, sim, trabalha-se. Há pessoas ou organizações como o TAT, o Behatokia... que trabalham muitíssimo e até correndo risco de prisão, mas, por outro lado, existe uma aceitação social da tortura por parte de estratos políticos e judiciais. Lamento que neste país não tenhamos alcançado uma barreira contra a tortura. Convivemos com a existência de 7000 torturados em Euskal Herria; esse dado é uma barbaridade e não se está a fazer nada para o evitar.

Fala de aceitação social...

A tortura existe e fala-se dela; inclusive, o bispo de Donostia ou o lehendakari Ibarretxe. Mas como é possível que se assuma uma realidade assim? Além disso, a tortura é o único delito em que se sabe quem o vai cometer, onde, quando, contra quem e como o vai cometer. É o único sobre o qual se sabe tudo e nunca se actua.

O que é que se deveria fazer para que a tortura deixasse de existir?

A mim, pessoalmente, escandaliza-me que os juízes espanhóis vão até ao Chile ou ao Tibete para investigar casos de tortura. Por que não existem juízes e procuradores bascos, com suficiente coragem judicial, para investigar os casos de tortura que ocorrem aqui? Parece-me muito bem que haja juízes defensores da democracia, a favor da mulher, da homossexualidade... mas quando é que vão ferrar os dentes na tortura? Eu espero um dia ter juízes e procuradores que façam o livro negro da tortura, um livro judicial onde se incluam todas as denúncias. O que não interessa é fazê-lo daqui a trinta anos.

Fonte: Gara