domingo, 13 de julho de 2008

Nem Aznar nem Garzón conseguiram eliminar o legado da “voz dos sem voz”

Foi a característica do Egin que ontem mais ressoou no Polidesportivo de Hernani, durante a cerimónia que os ex-trabalhadores do diário fechado por Madrid organizaram coincidindo com o décimo aniversário do encerramento executado por 200 polícias armados.

Embora na sua época não fosse coisa própria, a emissão radiofónica da Egin Irratia, depois de dez anos de paragem, começou um quarto de hora depois do previsto. Mas não teve importância. Itziar Arteaga acendeu a luz vermelha de «Airean» para arrancar com o acto de denúncia e adoçar centenas e centenas de ouvidos com aquela sintonia – com que despertavam diariamente milhares de famílias.
Voltou a estar no ar aquela voz que informava sobre as “retenções” rodoviárias no país ou aquela outra que passava a música que alimentava milhares de jovens bascos. Também uma outra que, depois de chegar a Hernani como locutora radiofónica há 21 anos, continua no mesmo município; mas, agora, como autarca.
E, com todos eles, centenas e centenas de eginzales que, com a compra diária nos quiosques, conseguiram que o projecto que foram o Egin e a Egin Irratia tenha passado a ser parte da história de Euskal Herria. Mas não das oficiais, nem das oficiosas. Antes das que escrevem os próprios cidadãos. Assim o reivindicaram ontem.

Para os que já não estão

«Aznar ordenou, Garzón executou»; «Atutxazo»; «Ajuria Enea quer-nos roubar também as ondas»; «A Mayor Oreja, o maior boca-grande»; ou «O pacto PSOE-PNV está atado e bem atado» – um déjà-vu? – foram algumas das primeiras páginas do Egin que se puderam ler à entrada, e, depois, ver no ecrã.
“No dia de San Miguel de 1977 saiu a primeira edição do Egin”, informou a locutora da Egin Irratia durante o acto de denúncia, que definiu como “um acto para anunciar aos quatro ventos o clamor pela liberdade de expressão”. Foram dezenas e dezenas as pessoas que lograram pôr em marcha aquele projecto há 31 anos; pessoas muitas vezes sem rosto para os ouvintes e leitores do Egin, mas estes tiveram a oportunidade de os conhecer ontem in situ.
Contudo, a muitos outros não foi possível. É o caso de Xabier Galdeano e Josu Muguruza, mortos pelos GAL, ou da lizartzarra que se ocupava da cozinha no polígono de Eciago de Hernani: Ina Zeberio. E outros que, pela sua implicação e pelo compromisso no projecto jornalístico, se encontram dispersos pelas prisões do Estado espanhol. Foram todos recordados; e mencionados na dúzia de intervenções que houve na cerimónia.
A lapidária declaração que José María Aznar enunciou no Verão de 1998, quando se encontrava na Turquia, também foi objecto de menção, de denúncia e, como não!?, de crítica; aquela frase “Julgavam que não nos iríamos atrever!”, depois do encerramento do Egin às mãos de duzentos polícias armados – o momento da invasão foi visionado numa tela gigante, provocando fortes vaias e assobios –, foi objecto de réplica. José Luis Elkoro, entre outros, sublinhou o facto de os fins que eram perseguidos com o encerramento do jornal não terem sido alcançados, uma vez que “não conseguiram silenciar a voz de um povo”.
Andoni Tolosa, Morau, desta vez não esteve em antena para falar de música, mas, com a sua guitarra na mão, tocou duas canções. Tal como Joseba Tapia com o trikiti. E Jon Maia, com os seus três bertsos, que emocionaram tantos. Ou o próprio Xabier Amuriza, que, para a ocasião, limpou o pó aos bertsos que escreveu há 40 anos, quando se encontrava preso em Zamora.

Sastre pôs todos de pé

Quem ainda cheira à tinta do primeiro exemplar do Egin é a gasteiztarra Amparo Lasheras, e Marian Beitialarrangoitia continua a agradecer a oportunidade que lhe ofereceu o diário abertzale para aprender o ofício de jornalista.
Koldo Alduntzin, Rafa Castellano e Mertxe Aizpurua foram outros dos ex-trabalhadores do Egin que tomaram a palavra. Mas também o fez Teresa Toda, que, apesar de ser prisioneira do Estado espanhol, conseguiu que a sua voz estivesse presente.
O que conseguiu que todo o Polidesportivo se pusesse de pé foi o dramaturgo Alfonso Sastre, com a lembrança indivisível de Eva Forest; ambos colaboradores assíduos do meio de comunicação cujo encerramento se denunciou de forma clamorosa.
Em nome do Conselho de Administração do Egin, cujos componentes, a maioria, se encontram encarcerados, tomou a palavra o histórico militante abertzale Jose Luis Elkoro. Com os outros julgados no caso Egin que se encontram em liberdade, o bergararra recebeu um ramo de flores. Também o recebeu o último director do diário: Xabier Salutregi.
Emocionado, tomou a palavra. Foi a última intervenção, depois de duas horas de cerimónia emotiva, inundada por todo o tipo de sentimentos contraditórios. Deixou toda a carga para o final; ergueu o punho com um “Gora Egin!”.


Gari MUJIKA

Fonte: Gara