Que aconteceu nos bastidores?
Askapena - 14.06.07
No dia 22 de Março de 2006, a organização armada basca ETA anunciava um cessar-fogo indefinido que entraria em vigor a 24 de Março. Catorze meses depois, na madrugada de 5 de Junho de 2007, a ETA anuncia o fim do cessar-fogo e a abertura de todas as frentes a partir da meia-noite do dia 5 de Junho. Damos hoje a conhecer o que sucedeu nos bastidores durante os meses em que em que esteve em vigor o nonato processo de normalização.
Cronologia da nova intentona falhada
Os antecedentes
Desde 2000 que a esquerda basca e o PSOE mantinham um diálogo não oficial. Nos ditos encontros, ambas as delegações partilhavam a análise de que se tratava de um conflito de índole política que reclamava soluções igualmente políticas.
O cessar-fogo indefinido
Como resultado destas conversações, e para facilitar o processo de conversações iniciado, a ETA declarou o cessar-fogo indefinido. Pela lógica, o cessar-fogo devia constituir um passo para um diálogo honesto entre os interlocutores. Infelizmente, não sucedeu assim, bem pelo contrário. Uma vez desactivada a confrontação armada, tanto o PSOE como o PNV puseram em prática uma estratégia anteriormente urdida: desvirtuar o processo, transmitindo a mensagem de que se tratava de um mero processo técnico (desarmamento da ETA – resolução do assunto dos presos) e, ao mesmo tempo intensificar o acosso judicial e policial contra a esquerda basca. Dessa maneira, negava-se a igualdade de condições aos interlocutores. Uma vergonhosa manipulação da boa fé da outra parte para a desgastar, encostá-la às cordas e, se possível, liquidá-la.
A primeira crise
Esta mudança de atitude por parte do PSOR e do PNV após a declaração de tréguas da ETA deu lugar a que o processo ficasse bloqueado em dois meses. Em Maio de 2006, as conversações conheceram a sua primeira e grave crise. Para a ultrapassar, a esquerda basca promove uma primeira iniciativa de reactivação dos encontros. Nesse contexto há que colocar uma reunião muito publicitada que mantiveram o PSOE e Batasuna num hotel de Bilbau. O PSOE deu o seu acordo para que se avance na fase de negociação. No entanto, a projecção sobre o acordo alcançado é nefasta. Na conferência de imprensa seguinte ao encontro – que foi positivo – os representantes do PSOE enganam os cidadãos. Não comentam o que foi feito para resolver a crise, mas para recordar ao Batasuna que tem ”somente deveres”. Apesar desta desinformação tão grosseira, o objective foi cumprido, já que a crise foi superada.
A segunda crise
Acontece no mês de Agosto de 2006. Na publicitada reunião de 6 de Julho, tanto o PSOE como o Batasuna se comprometem a alcançar um pré acordo antes de 31 de Julho. Ultrapassaram-se as datas marcadas mas não se alcança o objectivo. Os porta-vozes do Batasuna aparecem publicamente a falar de crise e de bloqueio. Um pouco mais tarde, tanto os executivos do PSOE como do PNV dão luz verde para que se avance na concretização de um pré acordo que seria posteriormente debatido por todos os agentes bascos. A crise fica resolvida com esta que marca um salto qualitativo: pela primeira vez constitui-se entre os três interlocutores uma verdadeira mesa de negociação política com um mesmo objectivo: encontrar uma solução política definitiva para um velho conflito político.
Tempo de diálogo e as duas minutas
Em Setembro de 2006, tal como se tinha acordado, intensifica-se a três. Mantém-se três reuniões em Setembro, seis em Outubro e três em Novembro. Foi uma experiência de grande importância pelo nível das análises que mantém os três interlocutores: Batasuna, PSOE e PNV. As discussões tiveram dois pontos centrais: bases políticas necessárias para um acordo futuro e o estabelecimento de um esquema geral para o desenvolvimento do processo. Abordaram-se quatro questões que requeriam consenso: a concepção de Euskal Herria como nação, o direito a decidir, a aceitação de todos os direitos e a estruturação institucional. Trataram-se também aspectos de forma: método e calendário do diálogo multilateral (previamente PSOE e Batasuna tinham acordado avançar com reuniões multipartidárias em Outubro de 2006). O intenso trabalho destes meses deu lugar a duas minutas. A primeira delas acabou-se em Setembro; a partir desta minuta, o mês mais produtivo foi Outubro, já que se pôde avançar de forma substancial. No final deste mês acabou-se uma segunda minuta, que continha as bases que levariam a uma resolução.
A hora dos compromissos
A sexta e última reunião foi decisiva. Nela, cada um dos interlocutores devia definir a sua postura. Batasuna alertou que a minuta enformava de vícios e ambiguidades que poderiam tornar muito perigosa a sua aplicação. Os dois primeiros itens sobre o reconhecimento de Euskal Herria como nação e a aceitação de todos os direitos concitaram a aceitação geral. Os relativos ao direito a decidir e à estruturação institucional provocavam desacordos; Batasuna reclamava uma maior concretização para que não houvesse fraude no momento de formalizar uma mudança de modelo que os três, nas conversas privadas, achavam necessário.
Importante proposta política da esquerda basca
A fim de resolver o novo bloqueamento, o Batasuna põe sobre a mesa uma proposta política de enorme importância, que pressupõe um importante esforço da sua parte: um Estatuto de autonomia para os quatro territórios do sul de Euskal Herria que contemple o direito do povo decidir e que não exclua a opção independentista, se assim o decidirem os cidadãos. A proposta aproxima-se do discurso do PNV e coincide com as posições que o PSOE teve não há muitos anos.
As contribuições nunca chegaram, já que os interlocutores abandonaram a mesa.
O bloqueio
Depois de conhecer a proposta, os interlocutores comprometem-se, em finais de Outubro, a redigir as suas contribuições à proposta que o Batasuna apresentou.
Nunca fizeram o seu trabalho. Durante as três reuniões de Novembro, o PNV reiterou que não mudaria uma vírgula da segunda minuta e o PSOE apresentou importantes reservas sobre o conteúdo das duas minutas. Sobre a nova proposta do Batasuna, tanto o PSOE como o PNV se recusaram a levá-la em conta. Face a esta negativa, o Batasuna abandonou a sua exigência e propôs uma linha de acção partilhada que aproximasse gradualmente a situação a um cenário de autonomia que não excluísse a independência. Tampouco esta readequação da proposta foi tomada em conta. O PSOE e o PNV responderam com uma segunda negativa que deixava bloqueado o processo. O Batasuna continuava à espera das contribuições prometidas que nunca chegaram. Os seus interlocutores tinham abandonado a mesa de conversações, a que nunca mais regressaram.
Euskal Herria, 11 de Junho de 2007
Este documento foi publicado em www.askapena.org
Tradução de José Paulo Gascão em http://odiario.info