sexta-feira, 23 de dezembro de 2005

Amaia Urizar relata como foi torturada

É muitas vezes dificil compreender que ao nosso lado está um Estado que tortura e assassina. É-o porque a comunicação social se esforça por construir uma imagem "democrática" do Estado espanhol. Se os jornais, as rádios e as televisões cumprissem o seu papel, denunciariam todos os actos terroristas cometidos pelo Estado em nome da "democracia" contra o suposto "terrorismo" de quem luta pela liberdade.

O caso que se segue é muito chocante e deve ser lido por todos. Para que nos envergonhemos da escória humana capaz de tais actos e para que a indignação sirva de motor para a acção solidária para com os povos em luta. O silêncio perante tais factos é traição e cumplicidade.

Amaia Urizar foi presa em Outubro de 2004. Aqui fica o relato do tratamento que recebeu. As semelhanças entre estes acontecimentos e as atrocidades nazis não são ficticias, são reais.


"No carro ia no meio de dois homens, levava a cabeça agachada. Logo que entrei, o que ia à minha direita começou a falar: Caíste, Amayita, e isto tens que assimilar; a nós tanto nos faz porque sabemos tudo, mas tem claro que tens de nos contar tu, e tens duas formas de o fazer, a boa e a má."

"Logo que se abriu a porta da cela, ouvi a voz do guarda civil, que tinha ido no carro até Madrid, dizendo a outro, a que chamou Garmendia, que fizesse o que tinha de fazer. Atirou-se sobre mim, levou-me para a cama e agarrou-me fortemente nos braços. Comecei a gritar que me deixasse, e eles gritavam-me "cala-te, puta". Então vi-os. Estavam encapuçados e o que tinha ido no carro tinha as calças e os boxers despidos, e vinha na minha direcção enquanto me dizia entre risos "nós vamos foder a noiva do chefe". Atirou-se sobre mim enquanto esfregava o seu corpo contra o meu (...) Gritava-me "que te diz o teu companheiro enquanto te fode, Gora ETA? Decerto que te estás a pôr docinha, puta, vamos-te foder todos e vai-te dar asco porque vamos passar muito bem contigo!". Os que estavam à porta estavam a pedir o seu turno e entre risos diziam-me "até a rapariga que aqui está connosco te vai foder".

"Gritavam-me e insultavam-me "puta, vaca, mentirosa", e colovacam-me um saco na cabeça enquanto mo apertavam por trás. Ao principio sentia calor, tinha a cara empapada em suor, tentava mover-me quando a bolsa me tapava a boca, não podia respirar e começava ter náuseas: conseguia romper o saco com os dentes, e naqueles momentos, quando começava a respirar de novo, golpeavam-me nos ouvidos com estaladas."

"Estava cansada, assustada, temendo o que me iriam fazer, tinha vontade de vomitar, assim que uma das vezes abriram a janela da porta aproveitei para lhes pedir que me deixassem ir à casa de banho. Então um deles respondeu-me: "Se vomitas, fodes-te, e o que sair comes".

"As paredes da cela eram irregulares e não sei qual seria a razão, mas via nela, e moviam-se. Tinha medo de sair dali louca, a cela tornava-se grande e pequena, a porta aproximava-se e afastava-se, o solo também se movia".

"Levaram-me de novo à habitação inicial. Ao entrar ali ouvi o ruido de água, era como se estivessem a encher algo, e eles riam-se enquanto me sussurravam ao ouvido "Amaia, Amayita". Não sei se foi o terror mas nesse momento urinei-me. Alguns começaram a rir-se de mim, outros fartaram-se e disseram-me que tinha de limpar toda a habitação com a lingua. Parou o jorro de água, obrigaram-me a dar uns passos em frente e a pôr-me de joelhos. Tiraram-me o capuz. (...)Diante de mim estava a banheira...Fiquei muito nervosa e tentava andar para trás, mas não havia escapatória, estava rodeada. Já sabia o que me iam fazer (...) Então, entre dois homens, um agarrando-me o corpo e o outro enfiando-me a cabeça na banheira bruscamente, de forma que o meu peito ia contra a banheira; sentia que me afogava, tentava recuar com as pernas, para os lados, mas não podia; movia a cabeça com todas as minhas forças para a tirar da água mas era impossivel enquanto eles não quisessem. Engoli demasiada água, tanto pela boca como pelo nariz, tinha a cabeça cheia de tonturas, estava sem forças mas a eles tanto lhes fazia e continuavam gritando e dizendo nomes e mais nomes, que assumisse, que o assumira. O choro não me deixava decidir nada. Já não esperavam nenhuma resposta já que não davam a opção de responder, só davam tempo que respirasse um momento. Não podia mais, naqueles momentos pensava que não ia sair viva dali, que não podia fazer nada, e deixei o meu corpo como se tratasse de uma marioneta. Não fazia força, só queria que aquilo acabasse; se o objectivo era matarem-me, que o fizessem o quanto antes."

(...)

"Estiveram a mostrar-me fotografias e mais fotografias até que se cansaram, e então o que fazia papel de chefe começou a gritar-me "puta, vaca, se não aprendeste nada nestes dias, vais aprender!". Disse-me que naquele momento tanto lhe fazia dar-me dois tiros, e pôs-me de novo o capuz (...) Disse-me que o jogo tinha acabado. Levantou-me um pouco o capuz e mostrou-me uma pistola que era de metal. Eu tentei revolver-me, estava aterrorizada pensando que me iam dar dois tiros... Entre risos perguntaram-me se a queria ter na mão, a ver se tinha "colhões" como o meu irmão e o meu companheiro para lhes disparar; eu dizia-lhes que não, entre soluços, e eles entre risos dizia-me coisas do estilo de "puta traidora". Então senti o metal entre as minhas pernas e um guarda civil sussurrou-me que não me mexesse. Eu chorava e comecei a gritar como uma louca, enquanto fazia forças para juntar as minhas pernas, mas não podia porque tinha os tornozelos atados aos pés da cadeira... Pôs-me a pistola entre as pernas e com a mão apalpou-me as cuecas; eu gritava-lhe que me deixasse em paz, mas ele começou-me a bater-me nos ouvidos com estalos e gritava-me que estivesse quieta ou que se ia escapar um tiro porque a pistola estava carregada. Ouvia as gargalhadas dos restantes dizendo coisas do estilo "vaca, puta, vais gostar..". Introduziu-me o canhão da pistola na vagina enquanto me gritava ao ouvido uma e outra vez "que te digo quando te foder, gora ETA?" Não podia parar de chorar e já não tinha forças para gritar. Começou-me a introduzir e a tirar a pistola de forma mais violenta, o que me provocava dor, enquanto que o que me sussurrava "sim, tu gostas, puta", "não vais ter um filho porque te vou dar dois tiros"...O seu odor metia-se dentro de mim, enojava-me, não sei se alguma vez me sairá este cheiro da cabeça...Estavam-se todos a rir (...) metia-me e tirava o canhão da pistola na vagina e sovava-me o peito de forma brusca, apertando-me o peito com as mãos. Notava dentro de mim o frio do metal, eles repetiam que a pistola estava carregada e que se disparassem a culpa seria minha...Não sei quanto tempo se prolongou a violação mas fiquei muda, estava como perdida; naquela habitação estavam a violar o meu corpo, mas por momentos consegui fugir dali em pensamentos, entre soluços, mas consegui fugir dali; dava-me conta da minha gente, estava com eles e elas, estava protegida... De repente sacou o canhão bruscamente de dentro de mim, enquanto lhes dizia (...) "temos de repetir, que ela gostou"... Voltei à realidade, encontrava-me dorida... De novo mostraram-me as fotografias, de uma em uma, e diziam-me a respeito de cada pessoa o que lhes tinha dito (de que local eram...) mais o que eles lhes queriam imputar; diziam-me que tinha de aprender tudo de memória para repetir quando tivesse de declarar... Repetiram-no muitas vezes e eu tinha que o repetir tudo uma e outra vez e se confundia começavam a bater-me e dar-me estaladas, e a ameaçar-me dizendo que me iam violar de novo".

"Não podia conciliar o tudo, estava aterrorizada e nervosa (...) Sentia-me suja, dava-me nojo o mero acto de o pensar, não sabia a razão pela qual me tinham violado e não podia deixar de chorar (...) Logo que entrei no banho tirei as cuecas para comprovar se me tinham causado algum ferimento ou algo do género porque me doía muito, mas estava "bem".

"Disseram-me que perante o juiz tinha de ratificar as declarações, que se não nem sabia o que me esperava e que não dissesse nada sobre as torturas se não queria voltar ali... Então foram-se. Depois meteram-me numa carrinha tirando-me o capuz, levavam-me à Audiência Nacional. Comecei a chorar. Por fim estava fora daquele inferno".