sexta-feira, 21 de dezembro de 2007

Processo 18/98: a sentença

Uma sentença que revela a impotência de um Estado perante a existência de Euskal Herria

O processo político sob formato judicial que decorreu durante dezasseis largos meses na madrilena Casa de Campo alcançou ontem a estação prevista com o resultado conhecido de antemão. A circunstância de nenhum agente político e social de Euskal Herria se ter surpreendido com o resultado deste procedimento judicial é o primeiro indício claro do carácter excepcional do ocorrido com o mega-processo 18/98. A partir daí, o facto do tribunal ter condenado a uma pena global que supera os 500 anos de encarceramento a 47 pessoas e as acuse de integrar ou colaborar com a ETA por desenvolverem tarefas de administração de empresas, de direcção de um meio de comunicação, de promoção da desobediência civil ou de difusão, tanto no contexto interno como no internacional, de um projecto político converte-se num elemento que, lamentavelmente, se situa também no âmbito do previsível. É que a sentença lida ontem pela presidente do tribunal, Angela Murillo, não revela nada de fundamental, limita-se apenas a outorgar com selo judicial os mesmos informes policiais que serviram ao juiz instrutor para deter pessoas, encerrar empresas, acabar com meios de comunicação e declarar a ilicitude de entidades que se caracterizam por ter una ampla e reconhecida trajectória pública em Euskal Herria.

Da leitura das mais de mil páginas que tem a sentença pode-se tirar uma primeira conclusão. Não no plano jurídico, pois nesse âmbito há vozes mais doutas para emitir opinião, senão no campo da análise das implicações políticas e sociais que acompanham esta condenação anunciada. Seguramente contra a vontade do tribunal, a sentença destila ignorância e incompreensão sobre o que se passou em Euskal Herria desde a morte na cama do ditador Francisco Franco até aos nossos dias. O tribunal tinha-o demonstrado já no julgamento e corrobora-o nesta sentença de deficiente redacção: não conhece as pessoas que julga, não conhece as entidades que criminaliza e não compreende os motivos dos seus compromissos pessoais e colectivos. O tribunal não oculta a sua estupefacção ante atitudes que não encaixam no modus operandi da democracia vigiada de que se dotou o Estado espanhol no final do franquismo.

A sentença castiga conselheiros e jornalistas do diário «Egin» e aplica-lhes as penas mais elevadas. O tribunal relata-nos, entre balanços contabilísticos que vêm constatar a precária situação económica desse media, que o «Egin» tinha entre as suas prioridades «denunciar sistematicamente a corrupção política e económica» ou defender os «valores culturais autóctones e em especial o euskara». O tribunal condena sem se perguntar porque é que milhares de leitores bascos (e do Estado) buscavam informar-se nesse órgão que o surpreendido tribunal assinala que surgiu com contribuições populares e que procurou aliviar as suas contas com colectas entre os cidadãos e organizava uma festa anual para o mesmo efeito. O tribunal tenta julgar, mas não pode, uma parte da história de Euskal Herria, neste caso do jornalismo basco.

O tribunal escreve que os condenados declaram-se militantes do movimento ecologista, activistas do movimento popular, militantes de KAS, representantes de organizações internacionais com sedes abertas ao público em capitais europeias, membros de Ekin, ... O tribunal, no entanto, não sabe explicar porque é que, sabendo-se que a tese de Garzón passava por vincular todas estas actividades à ETA e de que isso poderia implicar, como aconteceu, largas penas de prisão, estas pessoas fizeram gala perante o tribunal das ditas actividades. O tribunal não entende, seguramente, que estas pessoas tenham dedicado anos da sua vida à promoção de ideias, projectos, organismos, movimentos que são parte indissolúvel da história recente de Euskal Herria.

Porque, efectivamente, é disso que o tribunal trata de condenar, e não importa que para tal caia na incongruência ou no insensato de estender a integração ou colaboração com a ETA a supostos não avalizados por tribunais espanhóis superiores em categoria à Audiência Nacional. Não importa se não se tem armas nem se dá ajuda efectiva para cometer atentados. Tampouco condenar José Luis Elkoro, mesmo que isso implique «condenar» o trabalho de mediação entre a ETA e instâncias de governação do PSOE que a sentença lhe atribui.

As torturas delatam o tribunal

Trinta páginas, nada menos, dedica o tribunal a tratar de safar-se das acusações de torturas que pairaram sobre o processo. O tribunal tampouco aqui recolhe provas, constata apenas a sua incredulidade. E pese o dilacerante do caso permite-se inclusive expressões depreciativas do tipo «entre compungidas frases, xxx relatou...». Não explica o tribunal, e assim o escreve, como podem denunciar-se delitos que não encontram aval nas informações da Guardia Civil, do tribunal, da juíza, dos carcereiros... A resposta é clara para este país, mas não está ao alcance do tribunal que ontem se delatou definitivamente ao esforçar-se em argumentar o carácter não político deste processo na história de Euskal Herria.

em Gara.net