Iñaki Goioaga, advogado de presos políticos bascos, senta-se amanhã no banco dos réus da Audiência Nacional, enfrentando uma acusação inusitadamente alta, e mais ainda para um advogado: 16 anos de prisão. Chove no molhado, pois este colectivo já foi alvo de vários processos nos últimos anos, denunciados por associações europeias. Pedem-se também 6 anos para um preso e 8 para uma familiar, tudo por um alegado plano de fuga nunca tentado.
Processar advogados por questões relacionadas com o seu trabalho é bastante raro na Europa, mas repete-se com alguma periodicidade no Estado espanhol quando se trata de advogados que prestam assistência a presos políticos bascos. Amanhã, ver-se-á o último exemplo na Audiência Nacional espanhola; especialmente grave, uma vez que a Procuradoria pede nada menos que 16 anos de prisão para Iñaki Goioaga, além de 6 para o preso Gorka García Sertutxa e 8 para a então sua companheira, Ana Paz Cinos.
Tudo começou em Junho de 2009, quando ocorreu uma operação muito estranha com uma acusação não menos estrambótica. Simultaneamente, foram detidos o advogado Goioaga, três presos políticos bascos - que ficaram presos e incomunicáveis na prisão - e dois familiares - no caso de Cinos, ao sair de uma visita em Huelva.
A notícia correu como pólvora graças aos furos policiais que recreavam um espectacular plano de fuga que em caso algum se tinha materializado ou tentado: disse-se que pensavam usar um helicóptero, que os presos se iriam esconder em Portugal... Um órgão de informação digital afirmou que o objectivo real da operação era encobrir o conflito aberto nessa altura entre Madrid e Paris por uma intervenção da Guarda Civil em território francês sem aviso.
Tal bomba informativa foi perdendo gás a pouco e pouco. O auto de prisão decretado pelo juiz Fernando Grande-Marlaska não recolhia muitas das afirmações feitas pelo então ministro do Interior, Alfredo Pérez Rubalcaba, em conferência de imprensa. O silêncio caiu sobre o caso, mas o tempo foi passando e agora chega o julgamento. E com especial sanha no caso de Goioaga; naquele primeiro auto assumia-se que não existiam provas que o ligassem ao fantasmagórico plano de fuga, mas acrescentava-se que nas buscas efectuadas no seu escritório tinham sido encontrados outros elementos que eram considerados suspeitos.
Neste ponto, desencadeiam-se múltiplas violações de direito de defesa. Por exemplo, essas buscas foram realizadas sem se mostrar uma ordem judicial nem permitir que um colega do escritório fosse testemunha. No dia seguinte, os restantes advogados bascos que tinham ido à AN para se inteirarem do caso foram expulsos dos corredores, onde foi autorizada a presença de outros advogados e de jornalistas.
Solidariedade e observadores
Tudo isto motivou protestos da parte da associação de advogados bascos Eskubideak e também da Associação de Advogados Europeus Democratas (AED), entidade que enviará observadores ao julgamento que decorre entre amanhã e terça-feira. Também foram recolhidas mais de 200 assinaturas de protesto entre juristas bascos e do âmbito internacional.
Nada disto deteve o processo judicial. Como o não fez as explicações dadas por Goioaga sobre os documentos encontrados no seu escritório que a Procuradoria considera incriminatórios (cartas de um empresário e um manuscrito anónimo).
Por tal, acusam-no de «integração em organização terrorista», «violação do cumprimento de pena com fins terroristas e recurso à violência para conspiração», «sequestro terrorista para conspiração» e «roubo com intimidação com fins terroristas para conspiração». A García Sertutxa são imputadas as três últimas acusações, também como «conspiração». E a Cinos, «colaboração».
Diferentes acusações, um mesmo objectivo
A Associação de Advogados Europeus Democratas segue há algum tempo com preocupação esta dinâmica de processos contra advogados de presos bascos, iniciada nos anos 90 e intensificada na última década. A casuística é diferente, mas o objectivo de fundo é o mesmo.
Vários foram acusados - e alguns condenados - nos macro-processos do «tudo é ETA» (Karlos Trenor, Txema Matanzas, Mirian Campos, Julen Arzuaga, Iñigo Elkoro...). Tentou-se associar outros ao «imposto revolucionário» (Álvaro Reizabal, José Antonio de la Hoz). A outros foram feitas escutas ilegais (Txema Gorostiza, Arantza Zulueta...). E alguns foram a tribunal por comunicarem à opinião pública denúncias de tortura feitas pelos seus defendidos (Aiert Larrarte e Alfontso Zenon).
Não se trata de uma prática exclusiva do Estado espanhol, dado que no francês também houve processos contra Maritxu Paulus Basurko, Itziar Larraz ou Unai Errea. O caso deste último motivou a intervenção do chamado Conseil de L'Ordre des Avocats e do Syndicat des Avocats de France.