A célebre frase do premier britânico Winston Churchill em que afirma que a “democracia significa que, se a campainha tocar às seis da manhã, muito provavelmente deve ser o leiteiro” costuma ser profusamente citada em Euskal Herria e passou a fazer parte da cultura popular. Com excepção de algumas localidades, os leiteiros há anos que deixaram de fazer a distribuição e, no entanto, muitas vezes um punho, um aríete ou uma manada de pessoas encapuzadas brandindo armas arremetem contra as portas das casas de cidadãos bascos para os levar a meio da noite algemados e em regime de incomunicação.
Normalmente, convém recordá-lo, trata-se de casas em que habitam pessoas com as suas famílias e que levam uma vida totalmente pública e normal. Tão pública e normal que reivindicam a sua postura política a qualquer um que os queira ouvir, a mesma coisa tanto na presença dos seus vizinhos como perante os órgãos de comunicação. De facto, são detidos por fazer esse tipo de vida pública e normal, tal como sucedeu com os promotores da plataforma Demokrazia 3 Milioi (D3M) há tão-só duas semanas.
Convém recordá-lo não porque nos restantes casos se possam permitir razias, como as que os noticiários suavizam, mas porque neste momento o problema espanhol é tão de fundo que muitas vezes se esquecem os elementos formais, processuais, mínimos, por assim dizer, que não determinam mas esclarecem a diferença entre uma democracia e algo que se lhe assemelha mas não o é.
Nesse terreno, sem entrar na questão de fundo – o carácter antidemocrático da norma em si –, os prazos que a Lei de Partidos concede para determinar a ilegalização de candidaturas ou formações esvaziam o Direito da sua essência. Parafraseando Churchill, um sistema político que ilegaliza partidos no tempo que demora a ordenhar uma vaca, além de não ser democrático, não é sério. Até o Supremo Tribunal espanhol tem noção disso. Também é provável que tenha noção de que, sem entrar em questões jurídicas de fundo, o desastre processual e de garantias que essa Lei acarreta lhes pode trazer problemas a médio prazo nas instâncias internacionais. Se esse dia chegar, não poderão dizer que não foram avisados. Até a ONU o fez.
Projectos e ideias ilegalizadas
Entrando, agora sim, na questão de fundo, os porta-vozes do PSOE andam há vários dias a insistir no lema de que os processos de ilegalização abertos não implicam a ilegalização de ideias, mas a proibição da sua defesa através “da violência”. Obviam assim, por um lado, a origem do debate – que “violências” há muitas e que a questão consiste em determinar o seu grau de legitimidade num contexto político específico, não em abstracto –, também as causas do conflito basco nos seus parâmetros actuais. Por outro lado, negam a evidência. Existem projectos políticos que estão à partida excluídos pela Constituição espanhola, como são o independentismo das nações que conformam o Estado espanhol ou o republicanismo e o federalismo reais, não discursivos. E, na verdade, a grande diferença entre o caso basco e as restantes opções políticas legítimas mencionadas assenta no facto de que em Euskal Herria existe uma base social potente e um movimento político estruturado em volta de um programa e de uma estratégia clara para a consecução da independência. Isso é o que o Estado espanhol tenta impedir a qualquer preço.
Por seu lado, o PNV diz que se opõe às medidas que promovem desde Madrid, mas, além de não questionar de modo nenhum o facto de que nestas condições as eleições são pelo menos fraudulentas, insiste na repetição constante de que não partilha com a esquerda abertzale nem meios nem objectivos. E desse modo apresenta um quadro ideológico para compreender a involução política do Estado espanhol e justifica o fundamento do seu aparato repressivo: que o pecado original da esquerda abertzale é independente do que faz, e que consiste no que pensa ou no que diz. Sustenta, por exemplo, que ninguém pode pensar como a ETA – daí a mencionada ilegalização de ideias –, seja em relação à Palestina – mencionada no seu último comunicado –, à figura histórica de José Miguel Beñaran Argala – eliminado por lei da praça da sua terra, apesar da oposição, inclusive, do seu autarca jeltzale –, ao esgotamento do marco estatutário – que também defendem as centrais sindicais abertzales – ou ao Comboio de Alta Velocidade (TGV) – criminalizando o movimento ecologista.
Quem se guia pelo ódio e a vingança?
O próprio Churchill também disse que “os espanhóis são vingativos e o ódio os envenena”. As generalizações desse tipo, de que os bascos costumam ser vítimas bastas vezes precisamente por parte dos vingativos espanhóis, não têm demasiada base científica e, ao contrário da primeira citação, não se devem levar muito a sério.
O que não quer dizer que num aspecto concreto não possa ser real. O ódio e a vingança são dois dos únicos sentimentos que podem explicar a sanha dos líderes do PSOE e do PNV contra os que defendem uma Euskal Herria independente.
Normalmente, convém recordá-lo, trata-se de casas em que habitam pessoas com as suas famílias e que levam uma vida totalmente pública e normal. Tão pública e normal que reivindicam a sua postura política a qualquer um que os queira ouvir, a mesma coisa tanto na presença dos seus vizinhos como perante os órgãos de comunicação. De facto, são detidos por fazer esse tipo de vida pública e normal, tal como sucedeu com os promotores da plataforma Demokrazia 3 Milioi (D3M) há tão-só duas semanas.
Convém recordá-lo não porque nos restantes casos se possam permitir razias, como as que os noticiários suavizam, mas porque neste momento o problema espanhol é tão de fundo que muitas vezes se esquecem os elementos formais, processuais, mínimos, por assim dizer, que não determinam mas esclarecem a diferença entre uma democracia e algo que se lhe assemelha mas não o é.
Nesse terreno, sem entrar na questão de fundo – o carácter antidemocrático da norma em si –, os prazos que a Lei de Partidos concede para determinar a ilegalização de candidaturas ou formações esvaziam o Direito da sua essência. Parafraseando Churchill, um sistema político que ilegaliza partidos no tempo que demora a ordenhar uma vaca, além de não ser democrático, não é sério. Até o Supremo Tribunal espanhol tem noção disso. Também é provável que tenha noção de que, sem entrar em questões jurídicas de fundo, o desastre processual e de garantias que essa Lei acarreta lhes pode trazer problemas a médio prazo nas instâncias internacionais. Se esse dia chegar, não poderão dizer que não foram avisados. Até a ONU o fez.
Projectos e ideias ilegalizadas
Entrando, agora sim, na questão de fundo, os porta-vozes do PSOE andam há vários dias a insistir no lema de que os processos de ilegalização abertos não implicam a ilegalização de ideias, mas a proibição da sua defesa através “da violência”. Obviam assim, por um lado, a origem do debate – que “violências” há muitas e que a questão consiste em determinar o seu grau de legitimidade num contexto político específico, não em abstracto –, também as causas do conflito basco nos seus parâmetros actuais. Por outro lado, negam a evidência. Existem projectos políticos que estão à partida excluídos pela Constituição espanhola, como são o independentismo das nações que conformam o Estado espanhol ou o republicanismo e o federalismo reais, não discursivos. E, na verdade, a grande diferença entre o caso basco e as restantes opções políticas legítimas mencionadas assenta no facto de que em Euskal Herria existe uma base social potente e um movimento político estruturado em volta de um programa e de uma estratégia clara para a consecução da independência. Isso é o que o Estado espanhol tenta impedir a qualquer preço.
Por seu lado, o PNV diz que se opõe às medidas que promovem desde Madrid, mas, além de não questionar de modo nenhum o facto de que nestas condições as eleições são pelo menos fraudulentas, insiste na repetição constante de que não partilha com a esquerda abertzale nem meios nem objectivos. E desse modo apresenta um quadro ideológico para compreender a involução política do Estado espanhol e justifica o fundamento do seu aparato repressivo: que o pecado original da esquerda abertzale é independente do que faz, e que consiste no que pensa ou no que diz. Sustenta, por exemplo, que ninguém pode pensar como a ETA – daí a mencionada ilegalização de ideias –, seja em relação à Palestina – mencionada no seu último comunicado –, à figura histórica de José Miguel Beñaran Argala – eliminado por lei da praça da sua terra, apesar da oposição, inclusive, do seu autarca jeltzale –, ao esgotamento do marco estatutário – que também defendem as centrais sindicais abertzales – ou ao Comboio de Alta Velocidade (TGV) – criminalizando o movimento ecologista.
Quem se guia pelo ódio e a vingança?
O próprio Churchill também disse que “os espanhóis são vingativos e o ódio os envenena”. As generalizações desse tipo, de que os bascos costumam ser vítimas bastas vezes precisamente por parte dos vingativos espanhóis, não têm demasiada base científica e, ao contrário da primeira citação, não se devem levar muito a sério.
O que não quer dizer que num aspecto concreto não possa ser real. O ódio e a vingança são dois dos únicos sentimentos que podem explicar a sanha dos líderes do PSOE e do PNV contra os que defendem uma Euskal Herria independente.
Fonte: Gara