terça-feira, 12 de agosto de 2008

Contra a desinformação e o bloqueio: «A teoria da peste ou como tudo pode ser ETA»

Como sempre e nos piores casos, a faca da mentira continua a ser de fio duplo e de duplo sentido. Aqui, para desprestigiar os processos de mudança social na América Latina. Ali, exactamente para o mesmo, com o mesmo filão estigmatizador. Dois coelhos de uma cajadada só, o informativo com o hispânico e inquisitorial recurso da teoria da peste.

Choveu mais que muito desde que Alfredo Semprún, o protojornalista – polícia por antonomásia do Franquismo –, publicou alegremente que a ETA dispunha de uma base de submarinos em Baiona. Choveu algo menos, mas sempre sobre o molhado, desde que a francesa Le Nouvel Observateur afirmou sem se despentear que em Hernani cada atentado era celebrado com cordeiros degolados, orgias de sangue e danças rituais. Choveu pouco desde que advogados bascos viram as portas da o­nU completamente fechadas.

O motivo? Um simples fax de inspiração garzonita que impedia a denúncia da violação dos direitos humanos perante organismos internacionais, referindo que tudo é ETA e tudo é a mesma coisa. E eles também. Convém aduzir, neste caso, que depois de três meses de proibição – e sem que o Estado apresentasse prova alguma – voltaram a entrar, com desculpas incluídas.

Por essas rotas de criminalização e bloqueio informativo caminha também hoje a internacionalização do conflito basco. Contudo, após a rotura da última tentativa de processo de paz, esta aposta inquisitorial tem somado números inteiros. Em Setembro passado, a Embaixada espanhola na África do Sul solicitou os serviços de Teo Uriarte e Javier Elorrieta, ambos da Fundación para la Libertad, para neutralizar “a desinformação” que o Congresso Nacional Africano (ANC) possuía sobre o ‘conflito basco’.

Mas esta estratégia não paira apenas sobre governos, movimentos e colectivos de outros povos que prestam atenção ao conflito basco. Também sobre cada uma das personalidades internacionais que tomaram uma posição a favor do diálogo: Cossiga ou Chomsky, Hebe de Bonafini e as Mães da Praça de Maio, o subcomandante Marcos ou Rigoberta Menchú. Rios de tinta que eram balas contra um processo de negociação.

Essa ofensiva actual teve o seu ponto de inflexão diplomática com a chegada de Jaime Mayor Oreja ao Ministério do Interior. O gabinete de Aznar primou nessa linha de fogo informativo, onde as embaixadas se converteram em centros de contra-informação, aplicando um novo plano ZEN (Zona Especial Norte, que Barrionuevo esboçou em 1984) de abastecimento internacional.

E assim a metástase do “também tudo é ETA” aplicada em qualquer ponto do Estado a qualquer forma de dissidência que tenha uma leitura diferente do que se passa em Euskal Herria (o okupa catalão, o mineiro asturiano, o autónomo madrileno e até o desobediente andaluz de Casas Viejas que possuía um manual de euskara) já se fez sentir em águas internacionais. Nada de novo sob o sol, então. Porque não é a primeira vez. Em 1998, o PSOE e Joaquín Almunia plantaram-se no México para equiparar a ETA e o EZLN [Exército Zapatista de Libertação Nacional]. Aquelas declarações serviram fundamentalmente para anular o potencial do posicionamento do Parlamento espanhol, denunciando o massacre de Acteal, no qual morreram 45 civis, 16 deles menores. Ambos os Estados, solidariamente, ocultando os seus crimes, as suas misérias e vergonhas.

Isso é, ao fim e ao cabo, a guerra da informação. E a sua lógica devastadora. Síntese? Embora o sol nunca se ponha no império, noite e dia aumentam a repressão. Em formato de desinformação. Além-mar e espetando estacas na Flandres, em Caracas, Joanesburgo ou Quito. E a sua longa lista de empestados: que somos todos nós, as pessoas que não prestam vassalagem à sempre sinistra razão de Estado.

David FERNÁNDEZ

Fonte: kaosenlared