quarta-feira, 20 de agosto de 2008

Sobre o direito a decidir e…


Este pode ser um tempo político realmente decisivo para Euskal Herria como realidade em processo mutável de reconstrução, como um povo com entidade específica na velha Europa e na nova União Europeia, como uma nação com consciência colectiva, social, cultural e política de querer ser dona de si mesma e solidária com as pessoas, povos e nações que habitam no planeta, e como um estado que deve defender os interesses e sentimentos da sua cidadania. Temos a razão e as razões democráticas para dispor do nosso presente e futuro.

Euskal Herria é um povo que, como disse Victor Hugo, canta e dança em ambos os lados dos Pirinéus. Desde tempos imemoriais, do Neandertal até aos nossos dias, intermináveis lutas caracterizaram a sua história. Pelas suas terras passaram Romanos e Visigodos. No ano de 778, em Orreaga (Roncesvalles), Carlos Magno foi repelido e obrigado a renunciar à conquista. Depois, as guerras carlistas e as lutas antifeudais, antimonárquicas e antiditatoriais, juntamente com a emergência de um potente movimento operário nas minas e na indústria, formarão parte da sua cultura política.

Há alguns anos, possivelmente em 1989, depois da final do campeonato de pelota à mão entre Retegi e Galarza, Benito Lertxundi, durante a tertúlia que acompanhou o almoço que se seguiu ao jogo, abordou com profundidade a nossa problemática desportiva, cultural e política, concluindo com uma reflexão que todos partilhámos: “Do que Euskal Herria precisa é que desapareçam as fronteiras do Adour e do Ebro. Nós queremos realizar-nos como uma nação sem fronteiras em relação às demais pessoas e povos do mundo”.

Vivíamos a época do contra-revolucionário “plano ZEN (Zona Especial Norte)”, um projecto esboçado pelos serviços de espionagem militar espanhóis e desenvolvidos pelo governo de Felipe González para tentar aniquilar a dissidência ideológica e política de Euskal Herria, que se expressava na inter-relação objectiva do choque armado da ETA, o protagonismo dos movimentos sociais e a implantação institucional do Herri Batasuna. À guerra suja intensiva juntaram a aliança dos partidos políticos, estabelecidos no sistema, para complementar a errática estratégia do isolamento e da derrota da Esquerda Abertzale. Daí o fracassado «Pacto de Ajuria Enea» e as «conversações de Argel».

Hoje, depois de tantíssimos anos de repressão implacável – detenções arbitrárias, torturas, sequestros, execuções extrajudiciais, encerramento de meios de comunicação, ilegalização de partidos, de organizações sociais e criminalização de ideias políticas – e das mais perversas tentativas de manipular e/ou tergiversar o sentido da confrontação, encontramo-nos face à realidade incontestável de um profundo conflito político.

Um contexto que nos obriga, mais do que nunca, a colocar todo o esforço no desenvolvimento e no aprofundamento de quantas iniciativas surjam, para juntar, realmente, a maior quantidade de forças, da cidadania basca, na defesa do nosso povo a decidir por si mesmo. As condições realmente existentes, aqui e agora, aconselham a abrir com responsabilidade, sem dúvida, espaços de racionalidade para a busca de soluções efectivas.

Na Teoria dos Conflitos das Nações Unidas, expõe-se que em cada contencioso a tratar há que centrar o problema, em primeiro lugar, no reconhecimento das partes em confronto e, em cada caso, há que distinguir entre o racional, aplicável a ambas as partes, e o razoavelmente possível, em função da correlação de forças no processo. Dela derivam duas interpretações. A fundamentada na dialéctica «Vitória-Derrota», em que se destaca a “estratégia de soma zero”, de técnica política aniquiladora do contrário, utilizada pela extrema-direita do mundo. Hitler na Alemanha, Franco no Levantamento fascista de 1936, EUA no Vietname e no Iraque, ou Israel em relação à Palestina. E a interpretação alternativa, que se baseia na dialéctica «Diálogo-Negociação» para procurar a resolução democrática dos conflitos (Guiné, Angola, Moçambique, África do Sul, Irlanda…) defendida pela ONU, pela sua Assembleia Geral, pela actual União Europeia e o Conselho da Europa. Como é sabido, conflitos que resistiram, por um longo período, à estratégia da derrota de uma das partes, encaminharam-se, necessariamente, pela via da racionalidade e do diálogo.

Em Euskal Herria temos demonstrada a capacidade de resistência e a coragem suficiente para neutralizar o discurso belicista que o PP lidera e que se fundamenta na vitória do seu Estado e das Forças Armadas e na derrota dos seus possíveis contrários, sejam a ETA, a maioria do Parlamento de Vitoria, a Federação de ikastolas, a selecção de Euskal Herria ou a Euskaltzaindia [Academia da Língua Basca]. No século XXI defendem a Espanha Imperial, de trágico passado. Arde-lhes o triunfo colossal de Evo Morales e reivindicam para a oligarquia crioula a Autonomia dos territórios mais ricos da Bolívia. Consequentemente, defendem o actual Estado espanhol, como resto final desse Império, ignorando o processo de integração europeia e as reais perspectivas democráticas para a incorporação continental de pessoas e povos em processo aberto.

Além disso, a social-democracia, reinstalada na governação do Estado espanhol, apenas iniciado o caminho da racionalidade e do acordo, retorna ao esquema de fazer crer à opinião pública que vale tudo para exterminar o inimigo (a esquerda abertzale) e humilhar o adversário (Ibarretxe). Nesse cenário, as declarações de Urkullo, em que recrimina o EA [Eusko Alkartasuna] e atiça o fogo para reivindicar um lugar na fila das vítimas de uma parte, ilustram a má-fé e a desorientação do sector que representa dentro do seu partido; porque, precisamente, ele sabe melhor que ninguém que as voluntárias e os voluntários da ETA, a que se refere, são filhas e filhos deste povo que nasceram e cresceram durante o Estatuto de La Moncloa, subscrito em Gernika em 1978, e sabe cabalmente do arreigamento, social e afectivo, dessa juventude, e não pode ignorar quem foi Arkaitz Otazua e como soube amar a sua mãe, o seu pai e o seu povo.

Face ao direito democrático a decidir, não têm mais razões que o recurso ameaçador de um Tribunal Constitucional, carente de legitimidade e próprio de um Estado Imperial que persiste nas teses terroristas da «Vitória-Derrota». Ainda assim, a maioria do povo basco concebe, aberta e reiteradamente, a necessidade do «Diálogo-Negociação» e da conveniência da aproximação das instituições às necessidades e sentimentos da cidadania, nesta fase de Globalização Capitalista, adquirindo uma importância transcendente o conteúdo do direito democrático do povo basco a decidir por si mesmo.

Txomin ZILUAGA

Fonte: kaosenlared