segunda-feira, 11 de agosto de 2008

Tortura de Ailande nas mãos da Guarda Civil – “Quando me disse a hora, perguntei-lhe de que dia”


O dia 4 de Agosto é uma data especial para os gasteiztarras, mas para Ailande Hernáez o dia 4 de Agosto de 2008 será um dia seguramente para esquecer. Apenas sete horas depois do início das festas, quando se encontrava na praça bastante central de Fariñas, este jovem viu como um número indeterminado de indivíduos o abordou, o atirou ao chão e lhe começou a bater e a insultar. A partir daí, acabaram-se as festas e começou um dia e meio de pesadelo, do qual está agora a tentar recuperar, na companhia dos seus seres queridos.

Os seus captores acreditavam, em qualquer caso, que o tormento do jovem gasteiztarra fosse ainda mais longo e cru, mas o juiz da Audiência Nacional Santiago Pedraz levantou o regime de incomunicação, uma decisão infelizmente insólita quando se trata de um detido basco, e os planos dos guardas civis que tinham Hernáez em seu poder viram-se parcialmente frustrados.

A actuação deste magistrado, que já foi objecto de outras campanhas pouco favoráveis, recebeu duras críticas por parte da caverna mediática e de responsáveis policiais, como o secretário geral do Sindicato Unificado da Polícia (SUP), José Manuel Sánchez Fornet, que afirmou na quinta-feira passada que “deveriam atirar cocktails molotov todos os dias contra a casa do juiz Pedraz, que era para ver como o interpretava”. Nem é preciso dizer que, se for outro que não Sánchez Fornet ou uma personagem do género a atrever-se a dizer que há que atirar cocktails a um juiz (ou a quem quer que seja), já sabe onde vai parar directamente. O próprio magistrado tomou conta do assunto, e na sexta-feira interpôs uma queixa perante o Conselho Geral do Poder Judicial, tendo inclusive os sectores mais conservadores da magistratura qualificado como “inapropriadas” as declarações do polícia.

«Um subiu para cima de mim e começou a saltar»

Em qualquer caso, um dia nas mãos da Guarda Civil pode ser toda uma vida, como o próprio Hernáez relata ao GARA no dia seguinte ao regresso a Gasteiz, a sua casa.
Conta que, após a violenta detenção, “levantaram-me, atiraram-me pelos ares e meteram-me dentro”. Como lhe taparam o rosto, não pode especificar a que edifício da capital alavesa foi conduzido nesse momento, embora se lembre que havia muita gente à sua volta, e descreve, ainda afectado, o que ali se passou. “Conforme entrámos, atiraram-me outra vez para o chão e começaram a provocar-me. Um deles subiu para cima de mim e começou a saltar sobre as minhas costas, enquanto estava de barriga para baixo, e não pararam de me ameaçar, dizendo-me que já tinha lixado tudo, e que ia apanhar a valer”. Este jovem gasteiztarra também precisa que lhe enfiaram um saco na cabeça e que o baixaram até ao nariz, ameaçando fazê-lo descer pela cabeça abaixo caso não falasse, e que lhe puseram uma manta à volta do pescoço e a apertaram até ao ponto de asfixia...

Para além disso, explica que os seus captores procuraram confundi-lo sobre o corpo policial a que pertenciam, já que, se no momento da detenção gritaram “Forças de Segurança do Estado” e logo explicaram que eram guardas civis, ao longo do seu período de cativeiro também lhe disseram que eram ertzainas.

A Hernáez, que nas horas que esteve nas mãos da Guarda Civil passou por dois centros hospitalares, em Gasteiz e em Madrid, também não lhe indicaram onde se encontrava, até que o conduziram à capital espanhola e lhe disseram que tinha sido levantado o regime de incomunicação. Questionado sobre o tempo que tinha passado entre a detenção e o momento em que lhe disseram que não estava sob incomunicação, a resposta é contundente: “Umas quantas tareias”. Porque é nesse espaço de tempo que os maus tratos foram mais vincados e as ameaças, mais duras. “Meteram-me numa espécie de calabouço, onde me interrogaram, sempre com ameaças, procurando que implicasse outras pessoas. Eles mesmos me davam nomes, dizendo que já sabiam tudo, que tudo o que dissesse ia melhorar a minha situação. Suponho que será o típico dentro do que costumam dizer”, refere.

Tudo isto aconteceu em Gasteiz, seguramente coincidindo no tempo com o momento em que os habituais porta-vozes políticos e institucionais se aproximavam dos microfones para condenar o ataque à Subdelegação do Governo espanhol, ao qual fontes policiais ligaram a detenção deste jovem, algo que ele negou perante o juiz. Sobre os maus tratos – logo confirmados – que Ailande podia estar a sofrer não disseram nada.

«Queremos conhecer-te»

Quando lhe anunciaram que iam para Madrid, “disseram-me que ia flipar, que aquilo que me tinham feito não era nada comparado com o que iam fazer”. Foram num automóvel, quatro agentes e ele, e conduziram-no a uma esquadra, embora ali “já começassem a mudar de tom”. Explica que a partir de então insistiram no pedido de colaboração.

Este é um dos aspectos mais escabrosos do relato, já que lhe chegaram a marcar datas e lugares de encontro para se pôr em contacto com eles, no caso de aceder a colaborar. “Diziam-me que ‘já chega de falares contra a parede e nós contra a tua nuca’, ‘queremos falar cara a cara’, ‘queremos conhecer-te um pouco melhor’. Eu respondi-lhes que já sabiam quem era – prossegue o jovem –, ao que me responderam que ‘sim, sabemos quem és, mas não te conhecemos’”. Afirma também que os guardas civis asseguraram que “fazemos isto com um monte de gente. O que acontece é que ninguém se apercebe, porque nós somos profissionais, dedicamo-nos a isto. E isto é o mais normal, todo o mundo passa por isto e uma percentagem, sim, cede”. Estas palavras eram acompanhadas, claro, por duras ameaças, que tinham a ver com o que lhe iam fazer se não colaborasse.
Opina ainda que, à vista dos comentários que lhe fizeram, tê-lo-iam andado a seguir.

A advogada de Hernáez chegou à esquadra por volta das 22h de dia 5, terça-feira, mas foi só duas horas depois que pôde falar pela primeira vez com o seu cliente. Esteve duas horas à espera no mesmo edifício em que continuavam a interrogar Ailande. À meia-noite pôde finalmente falar com o jovem, ou seja, 23 horas depois de se ter dado a detenção.
Neste momento do relato, vem à tona uma mostra do aspecto traumático da sua experiência. Afirma que perguntou à sua advogada que horas eram, para se orientar, e quando ela lhe respondeu que era meia-noite, ele replicou: “mas de que dia?”. É que pensava que era quinta-feira, quando ainda era terça.

A declaração policial realizou-se na presença da advogada, com uma pessoa a tomar notas e outras duas encapuçadas, atrás. “Isso contou-me a minha advogada, porque eu não conseguia olhar para trás em momento algum. Em todas as mudanças de um sítio para o outro, para o que quer que fosse, ordenavam-me que olhasse para o chão, com uma camisola ou uma manta na cabeça, ou com um verdugo a tapar-me a cara”, recorda.

Concluída a declaração policial, e já à espera de comparecer perante o juiz, o trato foi diferente, e até lhe trouxeram uma sandes, “que me custou uma eternidade a comer”.
Na presença de Pedraz, denunciou os maus tratos sofridos, e assinala que se mostrou surpreendido ao ver que o magistrado pelo menos prestava atenção às suas palavras e fazia gestos à secretária judicial para que não o interrompesse. Na sua apreciação, foi “correcto”.
Após a declaração, foi novamente para os calabouços, à espera da decisão do juiz. Este impôs-lhe uma fiança de 6000 euros. Quando os seus parentes abonaram esta quantia, pôde regressar a Gasteiz, às suas ruas, de onde um número indeterminado de indivíduos o tinha levado um dia e meio antes.

Iker BIZKARGUENAGA

Fonte: Gara