quarta-feira, 17 de dezembro de 2008
«Ad extirpanda», oito séculos depois
O ainda vice-presidente dos Estados Unidos, Dick Cheney, defendeu abertamente o uso da tortura nos interrogatórios militares aos prisioneiros de Guantánamo no decorrer de uma entrevista emitida na noite de segunda-feira por um canal televisivo norte-americano. Mais ainda, confessou que ele mesmo deu luz verde ao emprego da técnica denominada como waterboarding: deitado de boca para cima, o detido é obrigado a engolir água, sem conseguir respirar, criando-lhe uma sensação crescente de asfixia e, por fim, de “morte iminente”. Ou seja, aquilo que durante décadas ficou conhecido nos calabouços das forças repressivas do Estado espanhol por uma designação bem mais próxima: “a banheira”. Não obstante, estas declarações ontem causavam agitação nas edições digitais dos meios de comunicação espanhóis, com comentários que imprimiam um certo ar de escândalo às manifestações de Cheney. Escândalo? Em absoluto. Simples enunciado da crua realidade. Uma realidade que Cheney não tem pejo em disfarçar porque se enquadra impecavelmente no seu discurso maniqueísta de malvados (prisioneiros) e heróis (torturadores), e justifica na perfeição os crimes de guerra cometidos pelas tropas dos EUA.
Mas os que agora rasgam as vestes sabem perfeitamente que a tortura é uma realidade quotidiana em Guantánamo, em Abu Ghraib... e nos calabouços onde foram interrogados milhares de independentistas bascos. Sabem que “a banheira” faz parte do protocolo real que se aplica aos detidos porque, como disse Cheney, “os seus resultados falam por si mesmos”. Assim, oito séculos depois, o regime de incomunicação – legal ou ilegal – aplicado às pessoas detidas vem dar o seu aval ao Papa Inocêncio IV, autor da bula «Ad extirpanda», que permitia à Inquisição torturar os réus até conseguir a confissão desejada.
Cheney, com a sua sinceridade, coloca em evidência os que olham para o lado quando em confronto com as denúncias contra os EUA, especialmente a ONU. E também os que em Euskal Herria se resguardam no silêncio quando ouvem relatos de tortura como os que se ficaram a conhecer no sábado passado.
Fonte: Gara