terça-feira, 23 de dezembro de 2008

Treinar com bombas não tem nada a ver com violência

Tasio-Gara (As Bardenas até 2028 [legenda nossa])

Nas Bardenas ensaia-se para matar em grande escala, mas falam-nos do ruído. Os gritos das vítimas dos bombardeamentos da NATO não se ouvem no Diario de Navarra nem nos gabinetes dos políticos. Isso não é nenhum transtorno.

Claro que não! É preciso ser torto para estabelecer uma relação entre um campo de tiro e a violência! Violência – parece mentira que ainda haja gente que não se tenha apercebido – só há uma, a da ETA. Os exércitos são instituições humanitárias que se dedicam a fazer o bem ao próximo. O Campo de Tiro das Bardenas não tem nada a ver com a violência, nem com a guerra, nem com o sofrimento, nem com a destruição. Que disparate!

Infelizmente, as barbaridades que acabo de escrever não pertencem ao âmbito da ficção. São o discurso dominante na classe política navarra sobre o Campo de Tiro das Bardenas. Com estas ideias deu-se o aval à continuidade deste espaço dedicado ao ensaio de material e técnicas de guerra. Isto é, pretendeu-se ignorar o debate acerca da transcendência de manter no nosso solo um complexo militar destas características.

Conduziram o debate para a questão dos transtornos (segundo o Diario de Navarra, mais pequenos do que os de um aeroporto) ou de contraprestações: o dinheirito assentará bem às instituições que participam na Junta das Bardenas. Mas nem o Diario de Navarra nem os políticos que apoiaram o contrato quiseram assumir o significado de deixar usar parte do nosso território pela máquina bélica da NATO.

A referência aos transtornos, por exemplo, é sumamente esclarecedora. Nas Bardenas ensaia-se para matar em grande escala, mas falam-nos do ruído. Os gritos das vítimas dos bombardeamentos da NATO não se ouvem no Diario de Navarra nem nos gabinetes dos políticos. Isso não é nenhum transtorno. E quanto ao dinheiro, que diferença faz de onde vem ou em troca de quê?

Estas atitudes, num país em que partidos, meios de comunicação e instituições repetem até à saciedade a ideia de que a violência está fora do lugar, não fazem senão retratar a hipocrisia que caracteriza este simulacro de debate acerca dos instrumentos com que cada qual defende as suas ideias ou pretende lograr os seus propósitos. Simulacro, digo, porque é óbvio que ninguém corre qualquer risco se justificar publicamente os bombardeamentos da NATO em Bagdade, mas o que é aconteceria a alguém que ousasse aplaudir uma acção da ETA?

Os mesmos que deram o seu apoio ao Campo de Tiro dizem-nos uma e outra vez que não se pode defender nada com a violência. Que não se pode permitir que continuem nos municípios os que não condenam a violência da ETA. Com base na legitimidade que lhes dá apoiar estratégias de guerra que causaram milhares de mortes, estabelecem uma linha divisória entre eles, os “democratas pacifistas”, e os “violentos”. Clamam contra a perversidade da violência da ETA esquecendo o sangue derramado pelos aviões dos exércitos que se treinam nas Bardenas.

É curioso, o seu conceito de responsabilidade moral. Não condenar um atentado da ETA converte alguém em cúmplice; apoiar um Campo de Tiro ou as invasões do Iraque e do Afeganistão não acarreta, naturalmente, qualquer implicação.

Floren AOIZ
www.elomendia.com

Fonte: Gara