terça-feira, 9 de dezembro de 2008

Querem realmente acabar com a tortura?

Depois de o terem detido faz hoje 23 anos, a Guarda Civil pretendeu fazer crer que Mikel Zabalza tinha fugido atirando-se ao rio Bidasoa (estava algemado e não sabia nadar!), mas os testemunhos dos restantes detidos, brutalmente torturados e postos em liberdade, deixaram bem claro o que realmente aconteceu: Zabalza foi torturado até à morte no tristemente famoso quartel de Intxaurrondo, como foi reconhecido num relatório interno do CESID.

Contudo, os seus torturadores nem sequer foram julgados, e no 20.º aniversário da sua morte o Governo basco realizou uma declaração institucional recordando o então sucedido e pedindo que se fizesse justiça. Gesto sem dúvida insuficiente mas mesmo assim importante. Agora, essas mesmas autoridades negam-se a fazer pelo menos um gesto idêntico relativamente aos milhares de vítimas de tortura a que não se fez justiça; sobretudo, relativamente às vítimas dos polícias às suas ordens.

Em vez disso, negam uma e outra vez que até há alguns anos a Ertzaintza torturasse do mesmo modo que a Polícia e a Guarda Civil, e por isso evitaram a todo o custo durante seis longos anos o cumprimento de uma simples recomendação que o Ararteko [Provedor de Justiça da CAV] realizou em 1999 como medida eficaz contra a tortura.

De facto, com base nas inúmeras denúncias de tortura efectuadas por pessoas mantidas sob incomunicação pela Ertzaintza, o Ararteko recomendou em 1999 que “em todas as esquadras da Ertzaintza se estabelecesse um sistema de controlo baseado em gravações de vídeo realizado a partir das câmaras situadas nos corredores da zona dos calabouços”. Recomendação que, como a dita instituição reconheceu, possuía “menos alcance que as efectuadas pelo Relator da ONU, mas era fácil de pôr em prática, uma vez que se utilizava o sistema de câmaras já existente”.

Depois de algumas reticências iniciais, fundamentadas em supostas dificuldades técnicas, o Departamento do Interior aceitou, mas, tal como denunciou o Ararteko, durante anos a Ertzaintza andou a fazer gravações de todas as pessoas detidas excepto, precisamente, das que se encontravam sob incomunicação.

Por fim, a 30 de Setembro de 2005 (seis longos anos depois de o Ararteko o ter solicitado!), o conselheiro do Interior, Javier Balza, anunciou que iam começar a fazer gravações também das pessoas sob incomunicação. E, apesar de o PSOE e o PP terem então afirmado com grande veemência que iriam continuar a ocorrer denúncias de torturas na esquadra contra a Ertzaintza, não voltou a haver mais nenhuma. Nem uma só. O que não quer efectivamente dizer que as denúncias precedentes fossem falsas.

Balza explicou mais tarde aquela medida da seguinte maneira: “É simples: como em 95% dos calabouços da Ertzaintza estava já instalado o sistema de gravação, bem, no momento em que assumimos o compromisso político deu-se a ordem para que os detidos sob incomunicação fossem mantidos em calabouços equipados com sistema de gravação”.

Não podia ter falado de forma mais clara. Se era tão simples, por que não o fizeram antes? A resposta é óbvia: porque a Ertzaintza continuava a torturar. Foi precisamente por isso que levaram tantos anos a aplicar uma medida tão simples!

As autoridades espanholas, entretanto, continuam obstinadamente a negar a gravação, alegando, de acordo com o último relatório do Relator para a Tortura da ONU, que “as Forças de Segurança não dispõem, na actualidade, de capacidade técnica para proceder à gravação, de maneira permanente, de todas as pessoas que se encontrem em situação de detenção sob incomunicação”.

Assim, depois de terem abarrotado, desde há tantos anos, todos os espaços públicos com câmaras de vigilância, têm a lata de vir alegar uma suposta falta de capacidade técnica para colocar umas quantas no interior das esquadras e dos quartéis onde mantêm sob incomunicação e torturam tanta gente.

Perante isto, há que gritar alto e bom som que, em caso de denúncias de tortura, o ónus da prova não pode recair em circunstância alguma sobre a pessoa torturada, pois o regime de incomunicação torna impossível que contribua com qualquer prova. Esse ónus deve recair, sem dúvida, nas autoridades, que podem facilmente videogravar os que se encontram sob incomunicação de modo a provar que não ocorreu qualquer espécie de mau trato, como continuam a pedir, ano após ano, inúmeros organismos internacionais de reconhecido prestígio.

As autoridades da Comunidade Autónoma Basca também inventaram mil e uma desculpas até 2005 para evitar a aplicação desta medida tão simples, e desde então pouco mais fizeram para ajudar a erradicar a tortura. E, o que é mais grave, continuam a afirmar que devem ser os juízes a esclarecer as denúncias de tortura. Como se não fosse suficientemente claro a quem esses juízes exigem provas impossíveis e a quem se abstêm de pedir até o insultantemente óbvio!

Se querem acabar realmente com a tortura, só o poderão fazer tendo a verdade por diante. Estão fartos de saber qual é o caminho: deveriam reconhecer e denunciar o que realmente aconteceu a esses milhares de vítimas da tortura, e envolver-se a fundo na erradicação dessa chaga.

Oxalá o façam quanto antes!

Xabier MAKAZAGA
membro do Torturaren Aurkako Taldea [Grupo contra a Tortura]

Fonte: askatu.org