quarta-feira, 31 de dezembro de 2008

O independentismo procura um ponto de viragem perante o bloqueio estatal


Há uma década fê-lo com o PNV e o EA, e há cinco anos com o PSOE. A esquerda abertzale – o independentismo em geral – perfila-se de novo como a única força com interesse e capacidade suficientes para buscar em 2009 um ponto de viragem face ao actual bloqueio do conflito. Um bloqueio imposto pelo PSOE e acatado sem problemas pelo PNV em 2008; a aliança estratégica não escrita entre ambos altera as coordenadas do mapa político basco.

2008 despede-se como um ano de absoluta paralisia no longo conflito entre a Euskal Herria que quer decidir o seu futuro e os estados que não o permitem. O sinal mais claro do bloqueio, e também o mais anunciado, chegou a 10 de Setembro. O Tribunal Constitucional espanhol mostrou, preto no branco, que a única soberania que admite é a do “Povo Espanhol” – em maiúsculas na sentença –, face um “povo basco” em minúsculas e cuja existência põe em causa. Com isso, o Estado espanhol lançava um sinal esclarecedor: nem sequer estava disposto a dar ao PNV um sucedâneo do acordo político que tinha negado à esquerda abertzale. Após 30 anos de Constituição, uma geração inteira, Madrid bloqueia as exigências bascas, uma blindagem a toda a regra, com o PSOE como guia.

Depois de se constatar que desta vez também não haveria desacato, posicionamento, passe foral, desobediência civil, consulta... nem sequer denúncia à Europa, o PNV esgotou a sua última quota de crédito para a quase totalidade dos independentistas do país. Um bloco que se tenta tornar invisível, mas que, apesar de todas as notícias adversas e da impossibilidade fáctica de levar a cabo hoje o seu projecto dentro da lei espanhola, continua assente em níveis superiores a 30%.

2008 retratou o PSOE como um partido timorato, que não pode – ou não quer – afrontar a transição real pendente do modelo de Estado, que se assusta – ou se justifica – com o PP, e que 78 anos depois nem se atreve a reivindicar justiça para as suas próprias vítimas do franquismo.

E o PNV mostra-se tanto ou mais temeroso de uma mudança política real que possa ferir o seu quinhão de poder institucional, mais fragilizado a cada passagem pelas urnas. Um dado: transcorrido ano e meio desde as frustradas conversações de Loiola, os jeltzales continuam sem explicar publicamente por que alinharam com o PSOE e não secundaram as propostas concretas avançadas pela esquerda abertzale para garantir que a independência fosse uma opção real e se pudesse materializar.

Processos encadeados
Com este quadro, o independentismo converteu-se no único sector que não tem nada a perder e antes muito a ganhar. Em 2008 não conseguiu condicionar as posições dos restantes agentes tanto como teria desejado. 2009 chega, portanto, com esse desafio pendente.

Na recta final do ano ouviram-se mensagens que assumem a necessidade de tomar a iniciativa em busca de um novo ponto de viragem que possa conduzir finalmente à solução, com base em toda a experiência já acumulada em processos que se vão encadeando. Não é nenhuma novidade. Na realidade, foi sempre este sector político que se encarregou de mover o debate e de criar novas oportunidades, em ocasiões marcadas por mudanças inesperadas e vertiginosas. Passaram apenas 14 meses entre a fase em que a esquerda abertzale apareceu isolada e quase varrida pelo “espírito de Ermua” (Julho de 1997) e aquela outra em que liderou o Acordo de Lizarra-Garazi (Setembro de 1998). E em plena ilegalização foi capaz de erguer com paciência um novo processo de negociação, que decorreu entre 2005 e 2007.

No primeiro caso, o PNV também foi uma força de tracção. No segundo, esse papel foi desempenhado pelo PSOE. Mas desta vez, vistas as posições de ambos, terão que ser os independentistas – siglas à parte – a manobrar em solitário, pelo menos no início. Dos dois processos anteriores chegam heranças bem fundadas que abrem a porta ao “reatamento” posterior de quem o desejar: o direito a decidir cimentado em Lizarra-Garazi, para o PNV, e o procedimento de negociação de Anoeta, no caso do Estado.

A esquerda abertzale parece disposta a pôr mãos à obra, sabendo que a acumulação de forças obriga ao debate sobre estratégias actuais e futuras. Uma discussão que se fará a olhar para a Europa, o enquadramento natural de Euskal Herria e o cenário em que não deixam de nascer novos estados que tomam a dianteira ao basco. É uma dinâmica sem ritmos fixados nem final escrito. A música e a letra estão por escolher, sem esquecer que tanto o Estado como os bascos pró-espanholistas irão procurar estragar a partitura.

A espiral repressiva
2009 chega com mais presos que nunca e mais partidos ilegalizados que nunca. Uma política eleita pelo Estado espanhol, e também pelo francês, para procurar enclausurar o processo político pendente numa espiral de repressão que se vá retroalimentando.

Seis expedientes abertos

Estrasburgo
A sua decisão sobre a ilegalização pode acontecer este ano. O anúncio de que poderia ser abordada na Grande Sala, em julgamento público, já transtornou a representação espanhola.

Macrojulgamentos
Três macroprocessos totalmente políticos encheram as prisões. Também se ameaça agora julgar a Udalbiltza e o Batasuna; de momento, sem data fixada.

Diálogo
O julgamento de oito políticos por falar de soluções será o nunca visto. Mas uma absolvição implicaria, por seu lado, um apoio expresso a esta via, a única com futuro.

Autarquias
O Governo do PSOE está a pensar no que fazer para arrebatar à esquerda abertzale as 40 autarquias alcançadas pelos votos. Outro tema que dará que falar este ano.

Tortura
As últimas denúncias mostram que a prática é sistemática e vai em crescendo. Madrid promete à ONU que irá mudar, mas a sua credibilidade neste terreno é nula.

TGV
Lakua e Madrid querem acelerar a imposição pela via dos factos do maior macroprojecto conhecido. Em Nafarroa, pelo contrário, a questão do financiamento não está ainda encerrada.

Ramón SOLA

Fonte: Gara