sexta-feira, 27 de junho de 2008

A morgue das línguas


A Assembleia prometia-nos um espaço no museu e o Senado acaba de nos enviar para a morgue. A expressão é de um participante num foro da edição digital de Le Monde. Foi a sua reacção à decisão dos senadores de travarem o que os seus colegas da câmara baixa tinham aceitado uns dias antes: modificar a Constituição para possibilitar o reconhecimento das “línguas regionais” como património do Estado francês. É certo que se tratava apenas de uma piscadela superficial, porque no fundo a Carta Magna continuaria a afirmar que “a língua da República é o francês”. Mas implicava, num certo modo, um avanço na mentalidade jacobina e conservadora da “pátria dos Direitos Humanos”. O Senado, picado pela Academia, demonstrou uma vez mais que, com esta pátria, só se pode ser pária ou independentista. Sobretudo depois de ler a última sondagem sociolinguística, que indica que o euskara vai a caminho do depósito de cadáveres, se não se desenvolve uma política linguística realmente comprometida.
Em «Os Crimes da rue Morgue», Allan Poe descreve uma cena assombrosa em que as testemunhas são incapazes de identificar a língua correspondente à voz de um dos assassinos. Quando um italiano, um inglês, um espanhol, um holandês e um francês a tentam descrever, cada um deles opina que se trata de um estrangeiro. Cada qual está seguro de que não é a sua própria língua e compara-a, não com a de um país cuja linguagem conhece, mas com a de um cuja língua ignora. O francês, que não conhece o castelhano, acredita que se trata de um espanhol. O holandês, que não sabe francês, afirma que o assassino é francófono... Aquele enigma delicioso repete-se hoje em dia como uma paródia amarga e sem mistérios, nesta França que vira as costas ao euskara, ao catalão, ao occitano, ao bretão ou ao alsaciano, línguas que os falantes franceses monolingues não saberiam distinguir do russo, do coreano ou do neerlandês.
O triste é que, hoje em dia, quando alguém fala euskara em Biarritz, os turistas parisienses continuem a olhar para ele como para um símio, quando não como para um criminoso chegado não sei de que país distante. Parece exagerado, mas é tanto como dizer que a República acaba de condenar ainda mais as suas próprias línguas à morgue.

Iñaki LEKUONA

Fonte: Gara