Igor Portu e Mattin Sarasola voltaram a relatar a tortura que denunciaram anteriormente e explicaram detalhadamente os maus tratos que sofreram desde que foram detidos em Arrasate, em 6 de Janeiro de 2008. A sessão de hoje ficou concluída e será retomada amanhã.
O primeiro a depor foi Igor Portu, pouco antes das 10h00. Respondendo ao magistrado do MP, referiu que antes de serem presos não tinham qualquer ferida. Contou que foram «abordados» pelos guardas civis, que os identificaram e lhes revistaram as mochilas enquanto eles permaneciam no outro lado da estrada. Negou ainda que tenham tentado escapar, como sustenta a versão oficial.
Portu contou que os meteram em dois jipes e que, de seguida, lhes começaram a bater, sobretudo na cabeça. Depois, dirigiram-se para uma estrada florestal, onde se encontrava outro jipe. Ali, viu retirarem Mattin Sarasola do veículo e, depois de terem metido o companheiro novamente na viatura, levaram-no a ele pelo mesmo caminho. Foi ali que o agrediram de forma mais violenta, disse.
Os guardas levaram-no para um ribeiro, onde lhe meteram a cabeça e o corpo todo debaixo de água, por entre ameaças de morte. De regresso ao veículo, os seus captores disseram-lhe que esses tinham sido os primeiros 20 minutos e que ainda tinha cinco dias pela frente. Dali foi levado para o quartel de Intxaurrondo, onde os maus tratos prosseguiram, e do quartel para Lesaka, para participar nas buscas à casa dos seus pais.
Portu referiu que tinha grandes dificuldades em respirar e que no trajecto de volta a Donostia foi novamente agredido. Fez referência a pontapés e socos nas costelas e no ventre, entre outros tormentos.
Depois foi levado à presença do médico forense, não sem antes ser ameaçado caso contasse alguma coisa. Apesar disso, contou. Respondendo a questões da advogada de acusação particular, explicou que tinha hematomas por todo o corpo e o peito inchado, e foi levado para o hospital depois de o forense ter falado com os guardas civis. Ali, contou ao médico o que se tinha passado e recebeu a visita de um juiz de Donostia e também a de um da Audiência Nacional.
Mattin Sarasola
O depoimento de Portu prolongou-se até quase às 11h30 e a essa hora começou o de Mattin Sarasola. O relato que faz da detenção em Arrasate coincide com o de Portu. Respondendo a questões colocadas pelo magistrado do MP, disse que foram metidos cada qual num Nissan Patrol e que os maus tratos começaram logo ali.
Tal como o seu companheiro, foi levado para uma estrada florestal, onde, depois de o retirarem do veículo, lhe apontaram uma pistola à cabeça, ameaçando matá-lo como a Mikel Zabalza. A diferencia de Portu, referiu que não o mergulharam no rio mas sim agredido.
Sarasola disse que, depois de esperar no jipe aproximadamente meia hora, o levaram para Intxaurrondo, onde foi interrogado e torturado por agentes à paisana. Dali foi conduzido até Lesaka, e depois ao forense. Neste ponto, e respondendo à sua advogada, disse que mostrou ao médico as feridas e hematomas que tinha, mas não denunciou os maus tratos até ser presente a um juiz.
Contou que caminho de Madrid também foi constantemente agredido e que, uma vez ali, os maus tratos prosseguiram, que não denunciou ao forense da Audiência Nacional por causa das ameaças que lhe tinham feito. Referiu que, entre outros métodos de tortura, lhe aplicaram «o saco».
Testemunha da detenção
O seu depoimento terminou por volta das 12h40, e em seguida o magistrado do MP começou a interrogar uma testemunha da detenção que na altura depôs no tribunal de Bergara.
Esta pessoa confirmou que Portu e Sarasola não tentaram fugir quando foram detidos e que pensou que se tratava de uma questão de droga. Foi depois de ouvir a versão do ministro do Interior e, tendo a noção de que não coincidia com o que tinha visto, que decidiu ir ao tribunal.
A defesa dos polícias pediu que seja aberto um processo por «falso testemunho» contra esta testemunha.
A enfermeira que atendeu Portu no hospital
Depois desta testemunha, foi a vez de a enfermeira que atendeu Igor Portu no Hospital Donostia. Disse que este estava em roupa interior, e que lhe chamou a atenção o facto de, quando lhe devolveram a roupa, as meias estarem molhadas. Na consulta, havia duas pessoas encapuzadas que a proibiram de falar com o lesakarra.
O autarca de Aramaio, Asier Agirre, era para depor a seguir à enfermeira, mas, como não havia tradutor de euskara disponível, o seu depoimento foi adiado para amanhã.
Dois guardas civis «peritos»
Na sua vez, testemunharam como «peritos» dois guardas civis especialistas na luta contra a ETA, que elaboraram um relatório em que se agarram à tese da existência de supostos manuais da ETA para realizar falsas denúncias de tortura.
Estes dois agentes, respondendo à advogada de acusação particular, admitiram que o relatório foi elaborado sabendo que existia um processo a decorrer contra vários guardas civis por torturarem Portu e Sarasola e que isso podia ajudar a sua defesa.
A audiência oral foi suspensa já passava das 15h00, e prossegue hoje às 9h00.
Familiares e amigos impedidos de entrar na sala com violência
Igor Portu e Mattin Sarasola, cujo paradeiro era desconhecido ontem pelas suas famílias e os seus advogados, foram levados pela Ertzaintza até à Audiência Provincial de Gipuzkoa, onde chegaram em viaturas policiais às 9h30, segundo divulgou a Infozazpi Irratia. Foram retirados algemados dos carros e rapidamente metidos no tribunal por uma porta traseira.
A expectativa mediática que se vivia nas imediações do tribunal de Donostia por causa da transferência dos dois presos lesakarras era enorme. A zona estava completamente tomada pela Polícia.
Para além disso, a maioria dos familiares e amigos que pretendiam entrar na sala em que decorre a audiência oral não o pôde fazer, já que foram impedidos por dezenas de guardas civis que se tinham colocado à porta e que, ao contrário dos familiares, não passaram pelo detector de metais da Audiência.
Incidentes à entrada, e até apalpões
Segundo denunciaram, os agentes colocaram-se em grupo em frente à porta e, quando a abriram, pegaram-se com os amigos de Portu e Sarasola que pretendiam entrar, empurrando-os e agredindo-os, chegando a atirar ao chão uma mulher de idade. Também apalparam algumas mulheres.
Nem os trabalhadores da Audiência nem a Ertzaintza intervieram e o resultado foi que todos os militares puderam entrar na sala, enquanto os familiares e amigos ficaram do lado de fora, excepto alguns familiares directos, que entraram por outra porta. «Foi selvajaria pura e dura», afirmaram.
Depois do que se passou, vários advogados apresentaram uma queixa na Audiência Provincial.
No interior da sala, a tensão também era palpável entre familiares e amigos dos dois jovens lesakarras e guardas civis.
Fonte:
Gara
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Adenda (27/10): «Os médicos forenses que examinaram Portu e Sarasola desmontam a versão da Guarda Civil» (
Gara)
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