domingo, 29 de novembro de 2009

Euskal Memoria, um antídoto contra o silêncio e a falsificação histórica

Uma dezena de pessoas conhecidas em diversas áreas e de vários herrialdes apresentaram no sábado em Iruñea a Fundación Euskal Memoria, cujo objectivo é estruturar o trabalho de recolha da memória histórica para fazer frente ao «silêncio e à falsificação» dos estados francês e espanhol. O seu primeiro grande trabalho será editar o livro No les bastó Gernika.


O presidente da Euskal Memoria é o historiador Iñaki Egaña, mas não pôde estar presente na sessão de apresentação desta fundação, em Iruñea, porque teve de se deslocar até Madrid, em virtude de o seu filho Eihar ter sido detido na recente operação da Polícia espanhola contra jovens independentistas bascos. Este facto fez com que Joxean Agirre, apresentador do acto em que se deu a conhecer a Euskal Memoria, afirmasse que o caso reflecte claramente a situação que se vive em Euskal Herria, onde a repressão não é apenas uma coisa do passado, mas que prossegue até aos nossos dias.

No acto também não pôde estar presente o primeiro fundador da Euskal Memoria, o teólogo Jesús Lezaun, devido a questões de saúde. Na sua ausência, o cantautor Fermin Balentzia e Grazi Etxebehere, habitante de Baigorri envolvida em variadíssimas actividades a favor da cultura basca, explicaram, em castelhano e euskara, que a fundação aspira à recuperação da memória colectiva de Euskal Herria e à sua ligação «com a construção da nação basca e com as garantias históricas de um processo democrático ainda pendente».

«As pessoas que aqui estão pertencem a diversas gerações e provêm de diversos territórios e culturas políticas, mas une-nos uma mesma preocupação vincada com falsificação histórica a que os estados sujeitam a abordagem do passado e do presente de Euskal Herria. Mais ainda - precisaram Balentzia e Etxebehere -, abraçamos uma causa comum que ultrapassa o domínio histórico: o repúdio à negação que os estados fazem da realidade de Euskal Herria, da sua existência e razão de ser. Para nós, é evidente que Espanha e França mentem sobre o nosso passado, para que temamos o presente e percamos o futuro».

Face a esta situação, salientaram a importância da Euskal Memoria para tecer uma rede de pessoas que recolham terra a terra a história de Euskal Herria nas últimas décadas e a divulguem na sociedade de forma sistematizada.

Recolha pormenorizada
A este respeito, informaram que a fundação editará todos os anos uma obra temática relacionada com algum dos aspectos da história basca recente «que mais importa retomar, pela sua urgência, com critérios próprios».

A elaboração da primeira obra já está em marcha, e terá como título No les bastó Gernika - Gernikako seme-alabak. Este enunciado procura mostrar como, após o bombardeamento massivo da localidade biscainha, em 1937, a repressão sobre o povo basco prosseguiu durante a ditadura franquista e se prolongou durante a chamada «transição democrática».

Sob a coordenação do próprio Joxean Agirre, um grupo vasto de pessoas dos quatro herrialdes de Hego Euskal Herria [País Basco Sul] encontra-se já a trabalhar na recolha pormenorizada dos efeitos dessa repressão ao longo das últimas cinco décadas.

Este trabalho será publicado dentro de um ano, e o seu objectivo, como o dos livros que a Euskal Memoria continuar a editar nos anos seguintes, será o de «fazer luz sobre alguns dos episódios mais silenciados ou falsificados da nossa história», segundo as palavras de Joxean Agirre, que destacou o «importante esforço documental e testemunhal» que implica uma obra desta magnitude.

São necessárias 6000 pessoas
Para tornar realidade este ambicioso projecto e garantir a sua continuidade, os impulsores da Euskal Memoria acham necessário conseguir o envolvimento de 6000 pessoas na aquisição dos livros e das revistas que se forem editando em anos sucessivos em torno de diversos aspectos da história basca recente.

Em qualquer caso, deixaram claro que não pretendem desenvolver uma «actividade social específica», porque para essa tarefa já existe em Euskal Herria «uma rede comprometida de organizações e entidades de todo o género dedicadas a fazer luz sobre esse passado que nos negam e ocultam». Neste sentido, disseram que a Fundación Euskal Memoria tentará complementar o trabalho destes colectivos «com honestidade, rigor histórico e um compromisso permanente com essa dimensão da nossa história ainda por desenterrar».

«Em 1936, não se pôde derrotar o fascismo espanhol pelas armas, mas humilhámo-lo com a memória. Foi preciso abrir as valetas de Navarra para que todos abrissem os olhos - recordou o cantautor Fermin Balentzia. Foi preciso publicar livros que exprimissem para sempre o que aconteceu. Mas ainda há muito que fazer para pôr a descoberto o que nos fizeram durante os quarenta anos de franquismo e os anos da transição, até aos nossos dias».

Grazi Etxebehere concluiu a apresentação da nova fundação anunciando que a Euskal Memoria irá elaborar uma vastíssima base de dados sobre a repressão franco-espanhola em território basco, base que se irá aumentando cada vez mais com o propósito de «fazer frente às mentiras dos estados».

«Dessa forma - explicou esta mulher baixo-navarra -, a nossa verdade será tão visível como a dos demais, e, embora se trate de um desafio difícil, dessa forma teremos a possibilidade de ser donos do nosso futuro».

Além de Fermin Balentzia, Grazi Etxebehere e Joxean Agirre, estiveram na apresentação da Euskal Memoria alguns dos dinamizadores desta fundação e representantes de associações que se comprometeram a apoiar o seu trabalho.

Entre muitos outros, assistiram a este acto o histórico sacerdote e sindicalista Periko Solabarria, Iñaki O' Shea, Jose Mari Esparza, Floren Aoiz, Sabino Cuadra, Andoni Txasko, Koldo Amezketa, Patxi Erdozain e Juan del Barrio.

O editor Jose Mari Esparza, que já foi responsável em Nafarroa pela elaboração de uma obra tão destacada como Navarra 1936. De la esperanza al terror, tenta transmitir à nova fundação aquele mesmo espírito de trabalho em auzolan.

«Na medida em entendamos a evidência de que a guerra de 1936, o franquismo, a reforma, o centralismo francês e o constitucionalismo espanhol são os elos de uma mesma corrente, a perspectiva global sobre o conflito, a sua origem, efeitos e resolução mudará. Só então começaremos a vencer também na redacção da nossa própria percepção da verdade», considerou.

Dada a magnitude da obra que se propuseram levar a cabo, Esparza salientou a importância de envolver o maior número de pessoas na recolha de dados para engrossar a base com que já contam. «Todos os esforços serão necessários - realçou - para revelar a envergadura da repressão sofrida nestes anos».

Iñaki VIGOR
Fonte: Gara

Reportagem: apresentação da Fundación Euskal Memoria

Fonte: apurtu.org. «Para nós, é evidente que Espanha e França mentem sobre o nosso passado para que temamos o presente e percamos o futuro.»