O Estado espanhol voltou a suspender o exame da ONU. A sua Comissão contra a Tortura exorta-o uma vez mais a abolir o regime de incomunicação e mostra o seu desacordo com a leveza das penas aplicadas a estes crimes. Por outro lado, saúda algumas modificações, como a tardia criação do obrigatório Mecanismo contra a Tortura. O Governo espanhol decidiu que quem deve exercer esta função fiscalizadora é o Defensor do Povo: Enrique Múgica Herzog.
O Comissão contra a Tortura da ONU tornou público na sexta-feira um novo relatório sobre o Estado espanhol, depois do exame a que o submeteu na semana passada. A conclusão não podia ser outra, tendo em vista os relatórios anteriores e a insistência do Governo espanhol em manter a sua prática habitual: a ONU exorta-o novamente a abolir o regime de incomunicação aos detidos. Contudo, as letras pequenas do relatório revelam outros detalhes mais dignos de nota quando apreciados a partir de Euskal Herria, como seja a confirmação de que o Governo espanhol optou por apresentar como garante contra a tortura o Defensor do Povo, isto é, Enrique Múgica Herzog.
O Governo Zapatero comunicou à ONU que as funções do chamado Mecanismo Nacional de Prevenção da Tortura serão desempenhadas pelo Defensor. A criação deste Mecanismo era uma obrigação para o Executivo depois de ter subscrito em Abril de 2006 o Protocolo contra a Tortura da ONU, que impõe a implementação destas e de outras medidas. Trata-se de uma entidade que deve fiscalizar os períodos de detenção e que, portanto, deveria entrar nos calabouços e nas esquadras para examinar como decorrem os períodos de detenção.
A dada altura, a Coordenadora para a Prevenção da Tortura, composta por dezenas de organizações de todo o Estado espanhol, já tinha alertado para o facto de Madrid estar a tentar confiar ao Defensor do Povo o cargo do referido Mecanismo. Após dois anos de consultas reiteradas com organizações deste âmbito, há apenas algumas semanas, nas vésperas do exame da ONU, e sem fazer publicidade, o Executivo concretizou essa intenção.
A comissão com sede em Genebra aceita a eleição, mas reclama ao Estado que dote o Defensor do Povo de «recursos humanos, materiais e financeiros adequados para exercer de maneira independente e eficaz o seu mandato de prevenção em todo o país».
«Deve revê-lo»
No que diz respeito ao fundo da questão, a Comissão contra a Tortura explica que «toma nota» das «disposições adoptadas para melhorar as garantias dos detidos submetidos ao regime de incomunicação». Refere concretamente o chamado «protocolo Garzón», o Plano de Direitos Humanos e outras medidas.
No entanto, afirma que «deve reiterar a sua preocupação - partilhada por todos os relevantes órgãos regionais e internacionais de protecção dos direitos humanos - pelo facto de o regime de incomunicação utilizado pelo Estado espanhol nos crimes de terrorismo e grupo armado, que pode chegar aos treze dias, violar as salvaguardas próprias de um Estado de Direito contra os maus tratos e actos de tortura. A Comissão continua especialmente preocupada com as limitações que este regime provoca».
Consequentemente, estabelece que «o Estado parte deve rever o regime de incomunicação, com vista à sua abolição, e assegurar que todas as pessoas privadas da sua liberdade tenham acesso aos seguintes direitos fundamentais do detido: a) escolher um advogado por si designado; b) ser visitado por um médico da sua escolha; c) que seja do conhecimento de um familiar ou pessoa que o detido deseje o facto da detenção e o lugar de custódia em que se encontre em cada momento; d) poder falar em privado com um advogado (direito que é actualmente restringido, mesmo quando se trata de um advogado de ofício)».
As preocupações da ONU não se centram apenas no regime de detenção, mas também na leveza das penas aplicadas por crimes de tortura - cujas sentenças no caso de Euskal Herria se contam pelos dedos de uma mão. Depois de mencionar que o Código Penal estabelece penas para a tortura entre os dois e os seis anos de prisão nos casos graves e de um a três se não o são, refere que esta qualificação «não parece ser exactamente conforme ao artigo 4 (2) da Convenção, que estipula a obrigação de qualquer Estado parte de punir todos os actos de tortura com penas adequadas nas quais se tenha em conta a sua gravidade».
Critica também o facto de os crimes de tortura prescreverem num prazo máximo de quinze anos, «e serem apenas imprescritíveis se constituírem um crime de lesa humanidade». Para a ONU, Madrid deveria garantir que a tortura não prescrevesse «em nenhum caso». E exorta-o ainda a recompilar os casos de tortura em centros policiais, que são actualmente «imprecisos e incongruentes».
Ramón SOLA
Fonte: Gara
Na foto, Unai R., um dos cidadãos bascos torturados nos calabouços espanhóis.
O Comissão contra a Tortura da ONU tornou público na sexta-feira um novo relatório sobre o Estado espanhol, depois do exame a que o submeteu na semana passada. A conclusão não podia ser outra, tendo em vista os relatórios anteriores e a insistência do Governo espanhol em manter a sua prática habitual: a ONU exorta-o novamente a abolir o regime de incomunicação aos detidos. Contudo, as letras pequenas do relatório revelam outros detalhes mais dignos de nota quando apreciados a partir de Euskal Herria, como seja a confirmação de que o Governo espanhol optou por apresentar como garante contra a tortura o Defensor do Povo, isto é, Enrique Múgica Herzog.
O Governo Zapatero comunicou à ONU que as funções do chamado Mecanismo Nacional de Prevenção da Tortura serão desempenhadas pelo Defensor. A criação deste Mecanismo era uma obrigação para o Executivo depois de ter subscrito em Abril de 2006 o Protocolo contra a Tortura da ONU, que impõe a implementação destas e de outras medidas. Trata-se de uma entidade que deve fiscalizar os períodos de detenção e que, portanto, deveria entrar nos calabouços e nas esquadras para examinar como decorrem os períodos de detenção.
A dada altura, a Coordenadora para a Prevenção da Tortura, composta por dezenas de organizações de todo o Estado espanhol, já tinha alertado para o facto de Madrid estar a tentar confiar ao Defensor do Povo o cargo do referido Mecanismo. Após dois anos de consultas reiteradas com organizações deste âmbito, há apenas algumas semanas, nas vésperas do exame da ONU, e sem fazer publicidade, o Executivo concretizou essa intenção.
A comissão com sede em Genebra aceita a eleição, mas reclama ao Estado que dote o Defensor do Povo de «recursos humanos, materiais e financeiros adequados para exercer de maneira independente e eficaz o seu mandato de prevenção em todo o país».
«Deve revê-lo»
No que diz respeito ao fundo da questão, a Comissão contra a Tortura explica que «toma nota» das «disposições adoptadas para melhorar as garantias dos detidos submetidos ao regime de incomunicação». Refere concretamente o chamado «protocolo Garzón», o Plano de Direitos Humanos e outras medidas.
No entanto, afirma que «deve reiterar a sua preocupação - partilhada por todos os relevantes órgãos regionais e internacionais de protecção dos direitos humanos - pelo facto de o regime de incomunicação utilizado pelo Estado espanhol nos crimes de terrorismo e grupo armado, que pode chegar aos treze dias, violar as salvaguardas próprias de um Estado de Direito contra os maus tratos e actos de tortura. A Comissão continua especialmente preocupada com as limitações que este regime provoca».
Consequentemente, estabelece que «o Estado parte deve rever o regime de incomunicação, com vista à sua abolição, e assegurar que todas as pessoas privadas da sua liberdade tenham acesso aos seguintes direitos fundamentais do detido: a) escolher um advogado por si designado; b) ser visitado por um médico da sua escolha; c) que seja do conhecimento de um familiar ou pessoa que o detido deseje o facto da detenção e o lugar de custódia em que se encontre em cada momento; d) poder falar em privado com um advogado (direito que é actualmente restringido, mesmo quando se trata de um advogado de ofício)».
As preocupações da ONU não se centram apenas no regime de detenção, mas também na leveza das penas aplicadas por crimes de tortura - cujas sentenças no caso de Euskal Herria se contam pelos dedos de uma mão. Depois de mencionar que o Código Penal estabelece penas para a tortura entre os dois e os seis anos de prisão nos casos graves e de um a três se não o são, refere que esta qualificação «não parece ser exactamente conforme ao artigo 4 (2) da Convenção, que estipula a obrigação de qualquer Estado parte de punir todos os actos de tortura com penas adequadas nas quais se tenha em conta a sua gravidade».
Critica também o facto de os crimes de tortura prescreverem num prazo máximo de quinze anos, «e serem apenas imprescritíveis se constituírem um crime de lesa humanidade». Para a ONU, Madrid deveria garantir que a tortura não prescrevesse «em nenhum caso». E exorta-o ainda a recompilar os casos de tortura em centros policiais, que são actualmente «imprecisos e incongruentes».
Ramón SOLA
Fonte: Gara
Na foto, Unai R., um dos cidadãos bascos torturados nos calabouços espanhóis.