segunda-feira, 5 de janeiro de 2009

Encerrar o Guantánamo basco


Os manifestantes de ontem [sábado] em Bilbau eram muitos, mesmo muitos, numa época de escassa mobilização dos cidadãos e depois de um atentado que por certo terá feito recuar alguns. Outra coisa é a eficácia. Por exemplo, o que acontece nestas prisões e esquadras não está tão longe do que se passa em Guantánamo ou em Abu Ghraib, mas o mundo ignora-o por completo. Zapatero factura com a repressão.

A opinião pública internacional mostra-se toda indignada perante a possibilidade de que se aplique uma pena de três anos de prisão ao jornalista iraquiano que atirou com os sapatos ao ocupante George Bush. Em Euskal Herria tal coisa não seria nenhum escândalo. Uma moradora de Lizartza acaba de ser condenada a mais de quatro anos pela sua própria “sapatada” a uma vereadora do PP imposta por Madrid (brandiu um pau à frente dela, sem lhe chegar a tocar, segundo se lê na sentença da Audiência Nacional). Mas a comunidade internacional jamais se poderia indignar com um caso como este – o pão nosso de cada dia, com que se vão enchendo as prisões numa corrida imparável –, porque simplesmente o desconhece.

Também não conhece as últimas denúncias horripilantes de tortura, nem viu a imagem de Unai Romano, que haveria certamente de ter corrido o mundo. De modo que nunca se interessou por saber quem é o Dick Cheney que toma a decisão política de aplicar “o saco” aos detidos bascos, enquanto o original assume tê-lo feito em Guantánamo ou Abu Ghraib. O mundo também ignora que em Euskal Herria tem lugar o maior ratio policial da Europa, que há mais presos que nunca, que Joxe Mari Sagardui, Gatza, é o prisioneiro mais antigo da Europa, há 28 anos entre as grades, que aos últimos detidos vão ser aplicadas penas de 60 anos (40 de prisão e 20 de controlo externo) ou que até se vetou um partido como a ANV, que foi uma bandeira antifranquista.

Tudo isto é tapado por algo que, isso sim, todo o mundo sabe: que Euskal Herria é o único lugar da Europa onde actua uma organização armada. As imagens em directo da bomba da ETA que destroçou a sede da EiTB, essas sim, chegaram com toda a naturalidade a todo o planeta.

Washington, como Madrid, decide a estratégia contra a dissidência em função da sua folha de cálculo política, e nada mais. Se, neste momento, os novos mandatários norte-americanos decidiram encerrar Guantánamo, não é por uma questão de ética, mas de rentabilidade, de prós e contras, de correlação de forças, em suma. A nova Administração percebeu que a perda de imagem e a pressão interna e externa lhe traziam custos que não cobriam os benefícios obtidos com aquilo. As contas de Bush e Cheney saem furadas a Obama.

Em Euskal Herria, pelo contrário, a repressão não só se mantém dentro das suas especificidades históricas como acelera de forma imparável. Parece evidente que Zapatero e Rubalcaba facturam do mesmo modo que Aznar e Mayor Oreja, dado que foram eles – os “progressistas” espanhóis – que decidiram cometer mais ilegalizações, mais vetos, mais acusações construídas, mais penas perpétuas de facto. E a sua equação é clara: mais ilegalizações de partidos, menos debate político incómodo; mais prisão e mais tortura, mais confronto armado; e mais confronto armado, mais desunião em Euskal Herria, mais imobilismo em Espanha e menos atenção internacional a Euskal Herria.

Que o adversário seja aquele que hoje em dia envereda pelo caminho da repressão é um dado que não se deveria perder de vista.

Milhares e milhares de pessoas exigiram ontem em Bilbau que se encerre o Guantánamo basco. São muitas e estão carregadas de razões, e por isso é especialmente injusto e triste que sejam tão pouco ouvidas, que a correlação de forças seja tão adversa que estas mobilizações possam ser entendidas como uma mera liturgia anual.

Com o alento de ontem [sábado], passou a haver um desafio pendente que exige reflexão: ganhar em eficácia face ao Guantánamo gigante que encerra pessoas e encarcera os direitos de todo um povo. Não é apenas um dever de humanidade em relação a um colectivo de mais de 750 pessoas, mas é sobretudo um passo necessário para que Madrid e Paris deixem de facturar e tenham que se agarrar com afinco a um debate político mais maduro que nunca.

Ramón SOLA

Fonte: Gara