sexta-feira, 9 de janeiro de 2009

A Europa sanciona a agressão ao jovem Mikel Iribarren e os 17 anos de impunidade


Madrid absolveu a agressão policial que colocou Mikel Iribarren, um jovem de Iruñea [Pamplona], à beira da morte, mas Estrasburgo puniu-a 17 anos depois. Condena Madrid a pagar-lhe 170 000 euros num prazo de três meses.

Mikel Iribarren tinha 18 anos na noite de 15 de Dezembro de 1991. O impacto de uma bomba de gás lançada à queima-roupa pela Polícia espanhola colocou-o à beira da morte – em alguns meios de comunicação chegou a veicular-se a informação de que tinha falecido – e deixou-o numa situação de invalidez e com importantes sequelas para o resto da vida. Muitos ainda se lembrarão do seu rosto deformado pelo impacto e pelas queimaduras, e de como teve que se submeter a inúmeros implantes e intervenções cirúrgicas, que duram até hoje.

Às 11h de ontem, 17 anos mais tarde, o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem decretou que o Estado espanhol violou os artigos 3 e 6 da Convenção Europeia, por impor a este jovem um “trato inumano e degradante” e pela dilação do processo judicial. É uma sentença com um alcance histórico, uma vez que são raros os precedentes.

Numa nota conjunta de avaliação, os advogados José Luis e Mari Jose Beaumont, Mikel Iribarren e os seus familiares sublinham este facto: “Para poder obter uma resposta judicial razoável e minimamente coerente com os direitos humanos fundamentais de qualquer pessoa, Mikel Iribarren teve que os defender durante 17 longos anos, o que já de si é simplesmente vergonhoso para qualquer Estado de Direito que se preze. Perante a total falta de garantias no processo judicial espanhol, teve que finalizar as suas reivindicações fora, na presença de organismos supranacionais”.

A sentença de Estrasburgo corrige ainda a recusa dos tribunais espanhóis a indemnizá-lo. Se num primeiro momento a Audiência Nacional autorizou o pagamento, mais tarde o Supremo Tribunal revogou-o.

E nem é preciso dizer que o processo nunca avançou pela via penal, dado que a Polícia espanhola se recusou a precisar quem tinha sido o agente autor do disparo. De acordo com uma testemunha, este ocorreu a apenas dois metros de distância. O jovem também não recebeu auxílio: ficou estendido, inconsciente, sobre a bomba de gás, o que lhe queimou o rosto.

«Devem investigar»
A sentença refere com detalhe, precisamente, todas as iniciativas levadas a cabo pela defesa do jovem para tentar identificar o culpado. Estrasburgo recorda que nestes casos “as autoridades competentes devem demonstrar uma diligência e uma prontidão exemplar e proceder de ofício à investigação de susceptíveis, por um lado, de determinar as circunstâncias em que o ataque teve lugar, bem como as decisões na aplicação do regulamento; e, por outro lado, identificar os agentes ou órgãos do Estado que estejam implicados, da maneira que seja, nestas circunstâncias”.

Nada disso ocorreu. Estrasburgo constata que, “neste caso concreto, o procedimento penal terminou com um arquivamento parcial e não se realizou nenhum julgamento sobre o cerne da questão”.

O Supremo Tribunal chegou a justificar a actuação policial naquela noite de Dezembro de 1991 ao revogar a indemnização. O que argumentou foi que os agentes se tinham visto obrigados a lançar inúmeros projécteis para responder aos ataques dos jovens. Estrasburgo, pelo contrário, aceita agora que o jovem foi submetido a um “trato inumano e degradante”, e que a actuação não foi proporcionada.

O Tribunal Europeu dá também a razão à defesa de Iribarren na denúncia de que o caso não foi resolvido num “prazo razoável”. Passaram quase 12 anos entre o brutal impacto e a decisão do Supremo, e 17 até que o expediente chegasse a conhecer uma sentença na Europa. O Governo espanhol argumentou que o caso era complexo e que a decisão de recorrer ao Supremo tinha dilatado a resolução de modo “lógico”.

Só um ponto discrepante
A decisão dos juízes foi unânime, excepto num ponto: o montante da indemnização correspondente ao conceito de “danos morais”. Três dos sete juízes qualificaram de excessivo o montante de 40 000 euros imposto por este conceito ao Estado espanhol pelos outros quatro magistrados, e introduzem aqui de novo o argumento de que Iribarren “contribuiu para criar uma situação de perigo, de que acabou por ser vítima”.

Entre estes três juízes discrepantes encontra-se o único magistrado espanhol da sala, Alejandro Saiz Arnaiz.

Ramón SOLA

Um rosto e uma vida reconstruídos com determinação

Mikel Iribarren Pinillos é um jovem muito conhecido em Iruñea, e não só por ser a vítima daquela agressão. É também um desportista nato, reconhecido como destacado corredor de encierros – na curva da Estafeta – e já levou muitas vezes um dos kilikis da comparsa de Iruñea. Em resumo, reconstruiu a sua vida do mesmo modo que o seu rosto, com paciência e garra, depois de ver como aos 18 anos “tudo mudou. Estamos na ‘idade tonta dos porquês’ e de repente alguém nos faz descer das nuvens e obriga-nos a lutar com a vida, e isso é muito duro, porque ainda não amadurecemos. Olhamos para o espelho e vem o desespero, as nossas paranóias, de vez em quando”, dizia-nos numa entrevista concedida ao GARA em Dezembro de 2001, precisamente dez anos depois de levar com a bomba de gás.

Iribarren lutou durante todos estes anos, juntamente com os seus advogados, para que o caso não caísse no esquecimento e a violência não continue a aparecer sempre como um fenómeno unilateral. Mostrava-o com uma anedota: “Às vezes vem uma senhora mais velha e diz-me: ‘Como é que fizeste isso, rapaz? Com a moto ou com o carro?’ Não, minha senhora, foi a Polícia que me fez isto”. Desde ontem, um tribunal europeu também o garante.

A actuação policial não foi isolada. Naquela mesma noite um outro jovem ficou gravemente ferido em Iruñea [Pamplona]. Dois anos depois, Txuma Olaberri, morador em Atarrabia, ficou em coma e marcado para toda a vida. E naquela altura uma bomba de gás entrou numa casa da Alde Zaharra [Parte Velha], tendo provocado a morte a Alejandro Gorraiz, de 77 anos, um mês depois. R.S.

Fonte: Gara