segunda-feira, 10 de maio de 2010

Seis meses de abraços e beijos sequestrados nos acessos aos locutórios das prisões espanholas


Passaram mais de seis meses desde que as Instituciones Penitenciarias deram ordem para que os familiares dos presos políticos bascos fossem submetidos a inspecções arbitrárias. Meio ano, uma eternidade para todos aqueles que, ansiosos, esperam poder estar um pouco com os seus familiares depois de centenas de quilómetros de viagem. Algo parece ter mudado, mas as denúncias continuam a suceder-se todos os fins-de-semana.

O comunicado que o EPPK tornou público no dia 28 de Março e no qual era referida a possibilidade de o Governo espanhol fazer marcha atrás e deixar sem efeito a ordem de inspecção com apalpamento aos familiares antes das comunicações pessoais fez respirar de alívio o colectivo de familiares de presos e presas políticos bascos. Muitos estavam desde finais de Outubro sem abraçar a irmã, beijar o companheiro ou acariciar o filho preso, e isto depois de percorrer, de forma assídua, as centenas de quilómetros que os separam, com a vaga esperança de que o carcereiro de turno não os submetesse a um tratamento degradante.

As esperanças criadas diluíram-se para muitos assim que pisaram as prisões e viram como alguns directores não davam sinais de querer abandonar as inspecções físicas. Estes familiares - nem um nem dois, mas dezenas - viram-se obrigados a fazer o trajecto de volta sem abraços nem beijos.

A Secretaria Geral das Instituciones Penitenciarias enviou, no dia 30 de Outubro do ano passado, uma circular para todos os directores das prisões espanholas. De acordo com essa circular, os carcereiros passavam a ser obrigados a inspeccionar com apalpamento corporal os familiares de todos os presos bascos antes de cada encontro. Pese embora ter sido solicitada em múltiplas ocasiões, a publicação desta ordem continua a estar restringida, pelo que resulta impossível conhecer o seu conteúdo exacto, a sua motivação ou qualquer um dos detalhes da ordem emitida pelo Ministério do Interior.

A advogada Ainhoa Baglietto, em declarações ao Gara, precisa que esta circular não está prevista nem na Ley General Penitenciaria, nem no regulamento que a desenvolve, quando se trata de um preceito legal obrigatório face a uma excepção como esta. Afirma, além disso, que para aplicar esta norma é indispensável que exista uma motivação particular e individual, exigência que não se verificou nas inspecções aos familiares bascos, que foram gerais e arbitrárias.

Foram centenas as queixas e denúncias apresentadas pelos familiares tanto nas próprias prisões como nos tribunais correspondentes, ou mesmo na Sala do Contencioso-Administrativo da Audiência Nacional espanhola. Nestes, os familiares e os seus advogados insistem que as inspecções podem contradizer e violar o direito pelo respeito à vida privada, incluído no artigo 8.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.

Apesar de a maioria destas denúncias não terem conhecido uma resolução, em Março os chefes de serviço de algumas prisões espanholas comunicaram a alguns reclusos bascos que a ordem das inspecções físicas tinha sido suspensa e que daí em diante, no caso de existirem inspecções, deveriam de ser concretas e motivadas.

Esta notificação, contudo, não parece ter chegado a todas as prisões, ou, por outra, alguns directores de prisões não parecem ter qualquer intenção de suprimir a ordem recebida em Outubro passado.

Mais um obstáculo
Embora inicialmente se tivesse encarado positivamente esta mudança das Instituciones Penitenciarias, Baglietto afirma que nalgumas prisões isso criou mais um obstáculo tanto aos presos como aos seus familiares. É que, de forma a evitar que todos os familiares e amigos provenientes de Euskal Herria sejam inspeccionados ao mesmo tempo, os carcereiros estão a fazer tudo o que está ao seu alcance para que estes não coincidam nos acessos às visitas, mudando os presos de secção e/ou alterando os horários das suas visitas.

Uma grave consequência desta modificação são as deslocações às prisões. A grande maioria dos familiares, especialmente os que têm os seus seres queridos encarcerados nos locais mais remotos da geografia espanhola, organizam as viagens conjuntamente. Deste modo, além de reduzirem o prejuízo económico que a dispersão representa, protegem a sua segurança reduzindo o número de horas dos condutores ao volante ou, também, graças ao trabalho altruísta de choferes voluntários como os de Mirentxin.

Ao modificar os horários das visitas e dos encontros, coordenar as viagens tornou-se uma tarefa impossível para muitos familiares. É o caso dos familiares que têm de viajar, por exemplo, até à prisão de Badajoz. Se antes todas as visitas eram aos sábados, agora foram divididas entre sábado e domingo, pelo que agora são duas as furgonetas que viajam cada fim-de-semana rumo à cidade da Extremadura espanhola, fazendo duplicar as despesas a que os familiares têm de fazer frente e aumentando também a possibilidade de ocorrência de acidentes na estrada.

Para os familiares que têm de viajar até à prisão gaditana de Puerto a situação também se tornou mais complicada; é que, além das 22 horas que têm de passar no autocarro, há ainda numerosas horas mortas em frente à prisão à espera de que todos os familiares terminem as suas visitas de 40 minutos para poderem regressar a casa.

Agressões incitadas por carcereiros
A circular que instava à inspecção física dos familiares de presos políticos bascos foi considerada desde o primeiro momento como uma medida ad hoc contra o Colectivo de Presos Políticos Bascos e os seus familiares. No entanto, alguns carcereiros tentaram maquilhar este novo ataque fazendo o mesmo também a familiares de presos sociais. Esta atitude conduziu a situações como as vividas pelos prisioneiros políticos bascos Diego Ugarte e Unai Bilbao no passado dia 12 de Abril na prisão de Puerto II. Ali, foram atacados por vários presos comuns, previamente incitados por carcereiros, segundo denunciou o Movimento pró-Amnistia, levando-os a crer que a situação criada era culpa dos bascos.

Esta medida de inspeccionar fisicamente os familiares, que está a crispar o ambiente nas prisões, parece ter passado para lá das fronteiras do Estado espanhol, já que esta semana se ficou a saber que também foram tratados dessa forma os familiares que se deslocaram até à prisão francesa de Clairvaux.

Desde que, em finais de Outubro, se impôs esta norma, os presos políticos bascos perderam milhares de encontros. São muitos os que desde então não tiveram qualquer contacto físico com os seus seres queridos. E, mesmo sabendo que por trás de cada preso há uma história própria, nestas linhas recompilam-se algumas delas, que reflectem a crueldade padecida nos acessos aos locutórios das prisões.

Em Dezembro do ano passado, os carcereiros da prisão de Soria obrigaram um amigo com deficiência do preso Gaizka Gañan a despir-se quando tentava aceder à visita. Nunca antes tinha tido problemas para efectuar as visitas; inclusive, eram os próprios carcereiros que lhe cediam umas muletas de madeira para poder passar pelo detector de metais. Todavia, os carcereiros de turno que lhe calharam no dia 6 de Dezembro, além de lhe recusarem as referidas muletas, obrigaram-no a tirar as calças, apesar de não ser capaz de o fazer por si mesmo, e também os óculos, perdendo assim quase toda a visão.

As inspecções físicas também não parecem ligar a idades, pois até crianças de 21 meses foram obrigadas a passar pelas mãos dos carcereiros. Foi o caso do filho do preso donostiarra Xabier Tximeno, que, depois de fazer os 570 km que separam Donostia de Valência, teve de os voltar a fazer sem ver o seu aita [pai].

Esta estratégia busca, no entender dos próprios familiares, «apertar ainda mais o cerco», e trouxe consigo castigos e mesmo detenções de familiares. Foi o caso do pai de Iñaki Peña, que chegou a ser detido durante várias horas na prisão de Curtis, depois de se recusar a ser inspeccionado com apalpamento. O veto imposto, esta mesma semana, ao irmão do preso Paul Asensio, proibindo-lhe a entrada na prisão durante nove meses, é um exemplo mais desta estratégia de acosso aos familiares. Um castigo que, infelizmente, é já bem conhecido entre os familiares.

Para além disso, com o propósito de fracturar o colectivo de familiares, nas inspecções aleatórias que estão a ocorrer nalgumas prisões, pegam-se sempre com as mesmas pessoas, o que levou a Etxerat a pensar que talvez os carcereiros estejam a realizar «listas negras de familiares».

De modo a fazer frente a estas inspecções, realizaram-se imensos protestos tanto dentro como fora das prisões. Os presos políticos bascos que se encontram na prisão de Almeria são um claro exemplo disso, já que estão a levar a cabo fechamentos semanais nas celas desde Novembro último. O protesto massivo que todo o Colectivo de Presos Políticos Bascos realizou em Fevereiro recusando-se a participar nos encontros é outro exemplo da sua luta.

Apesar das duras consequências pessoais que advêm da não realização dos encontros íntimos, a Etxerat fez saber recentemente que «está disposta a levar a dinâmica de interpelação e denúncia até onde for preciso» com o propósito de conseguir condições dignas para a realização dos encontros.

Oihana LLORENTE

Meio ano sem se tocarem e castigados com três meses sem verem
Aitor Liguerzana foi preso em Novembro do ano passado na operação que se saldou com a detenção de 34 jovens independentistas e, desde então, ainda não pôde abraçar ninguém do exterior. A sua mãe, a sua companheira e um primo foram sancionados por se recusarem a ser apalpados pelos carcereiros, pelo que, além de não os poder sentir, também não os pôde ver nos últimos três meses.

Naroa López Susaeta é a companheira de Liguerzana e recorda que, quando este foi encarcerado em Soto del Real, os presos políticos bascos que ali se encontram já estavam em luta e sem aceitar a realização dos encontros, devido às inspecções com apalpamento a que pretendiam submeter os familiares. Perdidos os encontros correspondentes a Novembro e Dezembro, refere que é em Janeiro e por ocasião da dinâmica de luta empreendida pelo EPPK que os presos políticos bascos tentam manter os encontros. A López, marcam-lhe o primeiro encontro íntimo para o dia 22 de Janeiro. É a única familiar proveniente de Euskal Herria e, quando se prepara para entrar, os funcionários obrigam-na a meter-se num quarto para a submeterem à inspecção. Ela recusa-se e regressa a Euskal Herria sem poder estar com o seu companheiro. Cinco dias depois volta à prisão madrilena, já que se prepara para se casar, mas antes é obrigada a passar por uma «dura» inspecção. Descalçam-na, obrigam-na a abrir os braços e os funcionários apalpam todo o seu corpo pela frente e por trás, «sendo até por vezes incómodo, porque apertam», denuncia. Recorda que a divisão onde a apartaram dos outros era tão pequena que não cabia ali com os braços abertos.

Após a inspecção, consegue entrar e estar com o seu companheiro pela primeira vez desde a sua detenção, mas esta é também a última vez que o vê. Dois dias depois do casamento, volta à prisão, desta vez com a mãe e um primo do preso, para realizar a visita familiar. É então que lhe comunicam que foi sancionada, ficando sem encontros e visitas durante os três meses seguintes.

Não será a única. Todos os familiares bascos que viajam no último fim-de-semana de Janeiro até Soto del Real são castigados da mesma forma, alguns dos quais sem nunca se terem recusado a ser inspeccionados fisicamente. Oihana LLORENTE

Fonte: Gara

Imagem de Naroa López Susaeta