quinta-feira, 13 de agosto de 2009

A Bienal de Veneza acolhe povos sem Estado como o basco


A Bienal de Veneza, uma das exposições de arte internacionais mais importantes, dá pela primeira vez a oportunidade de participação aos povos sem Estado. Curdos, irlandeses e bascos vão estar presentes no «K Planet».

«Isto não se passa apenas na Ásia, não é um caso isolado. Também há povos sem Estado na Europa», foi o que pensaram os representantes do povo curdo quando receberam o convite para participar na Bienal de Veneza, o encontro de arte mais importante, que se realiza de dois em dois anos e que inclui a Mostra de Cinema (anual).
Por isso optaram por partilhar esta experiência pioneira com outros povos, especialmente com Euskal Herria e a Irlanda. As actividades culturais e artísticas que juntaram estes povos sem Estado têm lugar entre Junho e Setembro no pavilhão «Kurdistan Planet», instalado na igreja de San Leonardo, em Veneza. «A Bienal é uma manifestação cultural dos Estados. O facto de que um povo possa participar e propor a sua cultura é também uma demonstração de coragem por parte da administração municipal de Veneza», sublinhou ontem o escritor italiano Giovani Giacopuzzi, editor, com a jornalista Orsula Casagrande, do livro K Planet, um projecto que se enquadra nesta colaboração e que foi apresentado ontem em Donostia.

A obra inclui reflexões de numerosos escritores, girando em torno de três ideias fundamentais: identidade, idioma e fronteiras. «É um planeta que se move, um país que não tem Estado mas que existe e que quer abrir-se não ao mundo, mas aos mundos que também não são reconhecidos», disse Giacopuzzi. De Euskal Herria, Joseba Sarrionandia - a quem dedicaram algumas palavras de Che Guevara como agradecimento pela sua colaboração, apesar «da difícil situação em que é obrigado a viver» - contribuiu com a sua visão, também Koldo Izagirre, a poeta Castillo Suarez, a escritora e actriz Dorleta Urretabizkaia, o poeta Igor Estankona e Fito Rodríguez, presidente da Euskal Idazleen Elkartea [Associação de Escritores em Língua Basca]. Este último, que esteve ontem presente na apresentação, fez uma alegoria intitulada «Belarrimotzak»* em que dá conta «de uma epidemia de uma entoação proveniente de Zuberoa, que o Reino de Espanha e a República de França conseguem eliminar». Dorleta Urretabizkaia disse que, para pensar sobre a identidade, escolheu a canção «Loretxoa», de Benito Lertxundi. «Comecei a responder à pergunta 'Quem sou eu?' e no final cheguei à conclusão de que a identidade é cada um ser o que é em liberdade e que no mundo da arte essa liberdade é imprescindível».

Além dos bascos, colaboram no livro dramaturgos comprometidos da dimensão de Dario Fo ou do desaparecido Harold Pinter, ambos Prémios Nobel da Literatura, o presidente do Sinn Fein, Gerry Adams, e poetas e escritores palestinianos como Mahmoud Darwish e Edward Said, ou curdos como Yilmaz Guney, Musa Anter ou Ahmet Dere.

Culturas não dominantes
Giacopuzzi reflectiu ontem sobre a forma de os curdos entenderem a identidade, o idioma e as fronteiras, «muito parecida com a basca e a irlandesa, daí nascendo o projecto». Quanto às fronteiras, «não são apenas territoriais, são um obstáculo para o desenvolvimento dos povos». A identidade, acrescentou, deve formar-se partindo das raízes de cada qual, mas sabendo e conhecendo os outros. «As culturas, em vez de discutirem e se contaminarem entre si, tiveram a tendência de impor a mais forte à mais débil. É aquilo a que poderíamos chamar uma cultura imperialista», reflectiu. De acordo com Giacopuzzi, o debate sobre estes três conceitos nasce quando se nega ou se despreza algum deles: «A atitude da cultura dominante é considerar quase inútil, do passado, aquilo que uma pessoa ou um povo quer ser. Os italianos, os espanhóis, os franceses... geralmente não se questionam sobre a sua identidade, porque não têm essa necessidade».

Uma cultura contaminante e contaminada, que beba das suas fontes mas também das dos outros, foi o que Giacopuzzi reivindicou para avançar em direcção a um mundo livre. «As pessoas que vivem a sua identidade sabendo que existe um oposto são as que caminham para o futuro. Sabem que o mundo é feito de muitas contribuições e que cada cultura se constrói com a contribuição das outras». Destacou, além disso, que o mais importante neste projecto é «saber que o mundo se constrói com outros mundos e que, para um mundo mais justo, é fundamental que essas culturas entrem em contacto não de maneira conflituosa, mas de maneira dialéctica. Para construir um mundo em que cada qual contribui com a sua parte, um mundo de cores e não de pretos e brancos ». Por seu lado, Fito Rodríguez não quis terminar sem destacar que no mundo da arte «é necessário recuperar a palavra 'emancipação'. É preciso passar de escravo a livre», e acrescentou que «existe a necessidade de artistas que mostrem que o mundo pode ser de outra maneira».

Nos dias 25 e 26, muitos dos participantes no livro estarão presentes em Veneza, onde os temas anteriormente sujeitos a reflexão irão ser debatidos.

Ane ARRUTI

Notícia completa: Gara
* «Belarrimotzak»: orelhas feias ou orelhas curtas