quarta-feira, 12 de agosto de 2009

A semana em que o ministro espanhol do Interior deu razão à esquerda «abertzale»


Habituados a qualificar quase todos os factos ou declarações como «históricos», esta semana dirigentes políticos e órgãos de comunicação preferiram passar em bicos de pés sobre um facto insólito que pode possuir mais significado do que se imagina. Facto talvez inédito na história, um ministro espanhol do Interior deu razão à esquerda abertzale. Porque foi isso, nem mais nem menos, o que Alfredo Pérez Rubalcaba fez ao dizer que, mesmo que a esquerda abertzale diga que condena a violência e solicite a sua legalização, «a resposta vai ser radicalmente não».

Terminou desta forma a cantilena do «a única coisa que têm de fazer é condenar», e confirmou-se aquilo que a esquerda abertzale sustenta: que o que é realmente ilegal não são umas siglas concretas mas as ideias que defendem - a independência de Euskal Herria e o socialismo -, e que a resolução do conflito só pode advir, não já da recuperação da legalidade formal dessas ideias, mas da concretização do seu projecto em igualdade de circunstâncias com as restantes opções políticas. Com uma única condição assumida, que não é outra senão a da exigência democrática de alcançar o apoio social suficiente.

A única situação parecida pode ser aquela em que Jaime Mayor Oreja admitiu que a «ETA não mente». Só que nessa altura Mayor Oreja já não era detentor desse cargo e as suas palavras faziam parte de um ataque contra o PSOE, o que lhes retirou peso.

Não obstante, a grande diferença assenta no facto de que as declarações do ministro são proferidas na qualidade de porta-voz do Governo espanhol, que não desmentiu o que afirmou. Exactamente o oposto. Rodolfo Ares, escudeiro de Rubalcaba em terras bascas e dentro do seu partido, confirmava o que o seu superior tinha dito.

O único que parece ter visto a gravidade da declaração de Rubalcaba - além dos próprios aludidos - foi Patxi Zabaleta [Aralar / NaBai], que costuma ser utilizado precisamente como arma de arremesso pelo Estado e pelos restantes partidos contra a esquerda abertzale. A explicitação do evidente por parte do ministro espanhol deixa a nu muitos discursos que, disfarçados de falsa inocência e decoro, tentaram culpar a esquerda abertzale pela falta de liberdades que Euskal Herria sofre.

Condenar pode implicar mentir
É verdade, em todo o caso, que a mera condenação da violência, para utilizar a terminologia em uso, não implica que se acredite realmente naquilo que é repudiado. O próprio Rubalcaba o pode testemunhar, pertencendo a um partido que durante anos condenou a actividade dos GAL enquanto os seus camaradas, colegas e subalternos levavam a cabo a guerra suja com fundos atribuídos pelo Governo de que ele fez parte. A condenação judicial, nem sequer testemunhal, de uma parte dos culpados da morte de 23 bascos também não impediu o PSOE de os apoiar, até ao ponto de os acompanhar às portas da prisão em Guadalajara.

O mesmo se pode dizer do PP em relação ao franquismo. Só que neste caso os conservadores espanhóis evitam a todo o custo tornar pública essa condenação. Nalguns casos, como no do sempre sincero Mayor Oreja, não têm mesmo pejo em enaltecer a ditadura.

Dito isto, haverá quem diga que os GAL, o franquismo e a ETA não são a mesma coisa. Seguramente. Mas por que deveriam ser diferentes no sentido que eles querem e não no sentido que a esquerda abertzale considera? Por que é que eles podem defender a sua «verdade», a sua visão da história, e o resto é perseguido por dizer o que pensa, ou mesmo por pensar como pensa? A posição dos diversos agentes relativamente às violências não depende de uma moral abstracta, mas de objectivos políticos concretos. Outra questão é qual dessas violências é moral ou imoral e sob que condições, ou se essas violências podem ajudar nesses objectivos. Mas no Estado espanhol tal coisa não pode ser debatida livremente.

Também haverá quem, chegados a este ponto, considere que o seu partido não esteve implicado em casos de violência política, que está limpo, e que só exerceu a legítima violência outorgada pelas instituições democráticas. Muitos no EA ou no PNV pensarão assim. Contudo, a menos que considerem que a descrição feita até agora é falsa, que a realidade mostrada sem rodeios por Rubalcaba não é tal, deverão aceitar que este cenário está muito longe de ser democrático e que eles agiram como se o fosse. Nesse caso, a violência foi exercida em nome da lei, mas não em prol da justiça ou da democracia.

O mesmo, ou mais, se pode dizer sobre a situação em que se encontra actualmente o conflito basco. A dinâmica de proibições de manifestações, por exemplo, foi aberta pelo PNV. Do mesmo modo, quem não assumir a sua responsabilidade na violência deveria aceitar a sua responsabilidade na incapacidade de busca de uma solução em parâmetros de justiça, democracia e liberdade. A agitação mostrada em Loiola pelos dirigentes jelkides [PNV] é uma boa amostra.

Por tudo isto, o momento é de compromissos para todos, não de exigências ao próximo; é tempo de autocrítica, não de autocomplacência. Não é tempo de condenações morais estéreis, sejam verdadeiras ou falsas. É tempo de apostas políticas a médio e longo prazo.

Fonte: Gara (09/08/2009)