domingo, 5 de abril de 2009

No Anaitasuna, a esquerda ‘abertzale’ reafirma o seu compromisso por uma mudança real


A necessidade de juntar forças para conseguir uma mudança real em Nafarroa e a exigência do reconhecimento do direito do povo basco a decidir o seu próprio futuro foram as duas mensagens que a esquerda abertzale lançou ontem no comício político realizado no pavilhão Anaitasuna, em Iruñea [Pamplona], que estava praticamente cheio. Abordaram-se temas como o euskara, a mulher, a luta dos trabalhadores e a repressão, ao longo das três últimas décadas.

Gritos de «Independentzia» e «Jotake, irabazi arte» [sem descanso, até à vitória] acolheram os ioaldunak que andaram pelo pavilhão Anaitasuna e os dantzaris que fizeram a saudação à ikurriña. Começava assim o comício político organizado pela esquerda abertzale relacionado com o 30.º aniversário das primeiras eleições para o Parlamento de Nafarroa, e no qual se abordaram temas como o euskara, o movimento feminista, as lutas dos trabalhadores, a repressão e a situação política em geral, ao longo destas três décadas.
Garbiñe Bueno, encarregada de apresentar as diversas intervenções, apontou o dedo “aos que nos quiseram roubar a memória, aos navarros”, e destacou a importância de “recordar o que nos querem ocultar” e de juntar forças para poder conseguir uma mudança real em Nafarroa.

Enquanto, numa tela gigante, iam passando imagens destas três últimas décadas sobre os temas citados, várias pessoas conhecidas em diversos âmbitos foram avaliando o caminho percorrido. A intervenção de dois bertsolaris deu lugar a David Anaut, que recordou as proibições e perseguições que o euskara sofreu historicamente, assim como a continuidade desta situação com o «Amejoramiento del Fuero» e a «Ley del Vascuence».
Anaut realçou a importância de se alcançar uma mudança real em Nafarroa para assegurar o futuro do euskara e, concretamente, a oficialização em todo o território.

Elena Urabaien abordou em seguida questões do âmbito da mulher, que resumiu ao dizer que foram “mais trinta anos de submissão e hipocrisia”. Urabaien ligou a negação do direito ao aborto com o papel da UPN “como braço político da Opus Dei” e criticou a “passividade” dos grupos do Parlamento, “que nem sequer conseguiram que se aplique a Lei contra a violência machista aprovada há seis anos”.

«A Navarra idílica»
O coordenador do sindicato LAB em Nafarroa, Igor Arroyo, com uma intervenção que se centrou no mundo laboral e nas lutas dos trabalhadores, recebeu fortes aplausos das pessoas que enchiam o Anaitasuna. Em primeiro lugar, ironizou sobre “o bem que se vive em Navarra, tal como Sanz, Del Burgo e toda essa gente engravatada passam a vida a dizer”, e depois constatou que “essa imagem que nos venderam é a versão aldeã do sonho americano”.
Dirigindo-se ao PSN e à UPN, Arroyo perguntou-lhes “onde está essa Navarra do bem-estar e do pleno emprego”, e acrescentou: “Vão perguntá-lo aos 38 000 desempregados, aos jovens que trabalham na precariedade, às mulheres que recebem menos pelo mesmo trabalho, às centenas de trabalhadores mortos nestes últimos anos em acidentes laborais”.

Após constatar que “a crise deixou à mostra o mito da Navarra do bem-estar”, Arroyo disse que nestes trinta anos “o patronato dominou por completo” graças ao «Amejoramiento del Fuero». “Sabiam que a partição territorial e a sujeição de Navarra era fundamental para poderem manter os seus privilégios”, afirmou.
Como fórmula para dar a volta a esta situação referiu a necessidade “da luta dos trabalhadores”, ao mesmo tempo que apelava a uma “contra-ofensiva” contra o patronato e à participação na greve geral de dia 21 de Maio. “Face a esta greve estão o patronato, o Governo, as forças de ocupação e também a UGT e as CCOO”, afirmou, sendo então interrompido por gritos de «Borroka da bide bakarra» [a luta é o único caminho] e «Greba orokorra» [greve geral].

A repressão foi o grande tema que se seguiu. “Que razão tinha o romeno! Quinhentos anos à tareia e ainda não somos castelhanos. E, como dizem na Ribera, nem semos nem seremos”, afirmou Fermin Balentzia antes emocionar a assistência com a interpretação de «Maravillas».
Esta canção serviu a Gloria Rekarte para recordar que esta jovem de 14 anos foi uma das 3400 pessoas assassinadas na sequência do golpe franquista de 1936. “Aqueles assassinos nunca tiveram de prestar contas e converteram-se em referentes da democracia”, disse Rekarte, que foi interrompida com gritos de «Herriak ez du barkatuko» [o povo não perdoará].
Esta ex-presa afirmou que “a repressão é o instrumento da imposição”, lembrou “os trinta anos de detenções, torturas, presos, exilados, encarceramentos, fechamentos de meios de comunicação, perseguições e ilegalizações”, e criticou “as forças supostamente de esquerda e abertzales que se recusam a ver esta realidade”.Em seguida, uma grande ovação recebeu a subida ao palco de mais de uma centena de cargos políticos da esquerda abertzale que desempenharam funções em Nafarroa nestes últimos anos.

«Nem todos os projectos se podem concretizar»
A ovação aos cargos eleitos prolongou-se quando Txelui Moreno pediu um aplauso “para as gentes da esquerda abertzale que cantaram o ‘Eusko Gudariak’ no Parlamento navarro, por esse retrato de dignidade que nos deixaram na retina”. Depois de ironizar sobre “esse selecto club de ‘nós, os democratas’”, afirmou que nestes trinta anos “não nos desactivaram nem nos assimilaram, e conduzimos Euskal Herria às portas da mudança”. Moreno citou Arnaldo Otegi, presente no acto, dizendo que “todas as peças do puzzle se encontram sobre a mesa e agora só falta encaixá-las”. As suas críticas dirigiram-se ao PNV, “que demorou seis anos a perceber que são os juízes que formam os parlamentos deste país”, e o Aralar, “que é utilizado para fazer crer à sociedade que todos os projectos podem ser postos em prática”. “O caminho não é a abandono de princípios”, disse, e pediu “factos” para configurar um grande espaço de esquerda e abertzale.
Iñaki VIGOR

Fonte: Gara
Fotos: Ekinklik via kaosenlared

Ver também: «A mudança real, o compromisso político e o direito a decidir – eixos centrais do comício no Anaitasuna», em nafarroan.com