terça-feira, 17 de agosto de 2010
Ion
Há já quatro dias, uma de tantas polícias que dedicam a mais selecta das suas elites a perseguir os bascos prendeu Ion Telleria. A mesma Gendarmerie francesa deteve-o, encarcerou-o e entregou-o aos que foram protagonistas do terrorismo de Estado espanhol. A hemeroteca está aí, ao alcance do mais descrente, e também aí o testemunho de tipos tão vis como José Mariflor Amedo, renovado agora mesmo, e que por dinheiro e interesse contaram alguma vez apenas uma parte da verdade. Não custa muito adivinhar o resto.
Ion não é o primeiro. Antes dele foram muitos os detidos, muitos também os encarcerados ou os entregues ao potro do tormento. Mas Ion é meu amigo e companheiro de trabalho - por essa ordem - e isso obriga.
Também era meu amigo e companheiro Josu Muguruza. A ele, os chuis e juízes franceses puseram-no nas mãos da polícia espanhola; ali, aplicaram-lhe os eléctrodos; os juízes de Madrid encarceram-no, e ao sair do presídio os cidadãos bascos elegeram-no deputado, ou seja, representante da vontade popular. Depois, eles mataram-no. Não os cidadãos bascos que o elegeram, claro. Foram os outros. Mas não creio que vivamos tempos para ser mais explícitos.
Lembro-me de muitos outros. Coisas da idade e das circunstâncias.
A Xabier Galdeano não lhe perdoaram a bonomia e a categoria pessoal, que retratava como tristes anões outros tantos que preferiram continuar instalados na comodidade face à injustiça. Também o recordo como companheiro de trabalho e como vítima. E à sua família, tão querida e digna. Agora que tanto falam de vitimismo, não seria mau que nós, que estivemos sempre a favor do bem e da justiça - sempre, sempre, sempre... para que os de Franco se calem de uma vez -, recordássemos e reivindicássemos as nossas. É que Melitón Manzanas ou Carrero Blanco eram uns indesejáveis cujos desaparecimentos foram saudados pela gente boa. E Josu, Xabier e muitos outros eram gente cujo coração não lhes cabia no peito.
Coube-me em sorte chorar por mais companheiros do destino. Aí estão Elkoro, Salutregi, Murga, Zalakain, Toda, Gorostiaga, na prisão... e Aranguren, a quem levaram até ao outro lado da fronteira da morte.
Ion é jovem, cheio de vida, simpático, trabalhador... e eu, num tempo novo, espero por ele com a esperança intacta para lhe dar o ongi etorri que merece.
Martin GARITANO
Fonte: Gara