segunda-feira, 15 de junho de 2009

Continuidade da esperança


Desejo fazer hoje um comentário sobre o que aconteceu durante estas últimas semanas, em que o meu nome esteve – uma grande honra para mim – à frente da lista da Iniciativa Internacionalista/Solidaridad entre los Pueblos, para o Parlamento Europeu.
Descontando as muitas irregularidades observadas e que mostram já, quando estou a escrever, o resultado da “subtracção” de pelo menos 1300 votos só na CAB, de maneira que se está a trabalhar para formalizar a devida impugnação, pelo menos de muitos resultados locais, acontece que com os votos reconhecidos, se se tratassem de umas eleições que afectassem o Estado Espanhol, esta contagem teria dado à II-SP doze deputados em Gasteiz, seis em Iruñea e dois em Madrid. (São dados deste mesmo jornal).

Mas não é disso que este artigo vai tratar, e o que nele quero expressar é que o que nos conduziu a este trabalho político não foi a expectativa própria de uns quantos ingénuos mas o motor da mais legítima das esperanças, assente no legado do próprio Lenine, que, num dos seus ensaios, até nos convidou a sonhar. (“É preciso sonhar!”); e também quero recordar que nós chamámos “listas irmãs” às outras, que expressavam um pensamento de esquerda mais ou menos radical; e que tudo isso conferiu uma atitude que não tem nada a ver com a politiquice que hoje assola e oprime o ambiente político que se respira à nossa volta; hoje mesmo me congratulo também com o facto de a Esquerda Unida ter obtido (parece-me que assim foi) dois lugares no Parlamento Europeu, e lamento que a Izquierda Anticapitalista não tenha obtido nenhum. Em relação a nós, triunfadores em Euskal Herria, vamos a ver o que resulta das nossas impugnações.

Nós há muito que andávamos a dizer, muito antes de 7 de Junho, que o nosso triunfo era já um facto, e que este triunfo era independente da obtenção ou não de algum lugar no Parlamento europeu. Um dos nossos objectivos mais importantes era “dar voz aos sem voz”, e o mero facto de que a Esquerda Abertzale tenha podido levantar a sua durante a campanha num ambiente de legalidade (embora muitas vezes entorpecida), já era um sinal desse triunfo. Mas também o era que tivéssemos conseguido despertar um clima de grande esperança ou, se se preferir, de expectativa [ilusión]. (Sobre esta palavra – ilusión – tenha-se em conta que basta ler o DRAE para verificar que a 2.ª acepção da palavra ilusión é: «Esperança cujo cumprimento parece especialmente atractivo”, e que a 3.ª é: “Viva complacência numa tarefa”. Não é pouco nestes tempos de grandes desilusões, em que é desejável dar esperança às pessoas no sentido que a Academia define assim: “Despertar esperanças especialmente atractivas”. Muito próximo foneticamente, mas muito distante quanto à sua significação, é o termo “ilusório”, pois o ilusório é “o enganoso, o irreal, o fictício”).

Vivemos estes dias e agora vamos continuar a viver os que vierem nos territórios do “entusiasmo” que já Kant nos disse ser uma noção distante do fanatismo e não digamos da superstição, embora seja certo que também com o entusiasmo é preciso andar com muito cuidado, já que existe certamente um entusiasmo “cego”, que nos pode esconder a realidade e, consequentemente, dificultar-nos o caminho da verdade.

O nosso triunfo começou, sobretudo, com a mobilização de tanta gente anónima, valente e inteligente (a que eu chamei noutros tempos “os camaradas obscuros”), e vai continuar, apesar das “contundentes ameaças” do senhor López – vamos estar, pois, ainda pior, nós, os que procuramos a paz através da negociação e do diálogo? – que acaba de tornar públicas o reluzente lehendakari. Neste preciso momento, contamos efectivamente com a grande onda de solidariedade que se levantou aqui e fora daqui e até longe daqui precisamente perante e contra a anulação da nossa lista pelo Supremo Tribunal.

Então, tornaram-se visíveis e destacaram-se os nomes de alguns dos heróis ocultos que trabalharam para a criação e o andamento desta lista – que em momento algum foi “a lista de Sastre” –, entre os quais apenas vou citar uns quantos: Carlo Frabetti, Doris Benegas, Ángeles Maestro, Luis Ocampo, Josep Garganté e José Luis Méndez Ferrín (que um dia trará o Prémio Nobel para a literatura galega)... Entre os apoios que tivemos, há alguns tão inestimáveis como o do porta-voz da Esquerda Abertzale, Arnaldo Otegi, em quem tantas esperanças temos depositadas, nós, os ferventes partidários da paz – que não da pacificação! – em Euskal Herria; os de Adolfo Pérez Esquivel, Carmen Bohórquez, Atilio Boron, Julio César Guanche, Michel Collon, Franz Hinkelammert, Gilberto López y Rivas, James A. Cockcroft, Jorge Enrique Adoum, José Vicente Rangel, Winston Horrillo, Carlos Aznárez e várias centenas de camaradas latino-americanos. Da nossa área ibérica estão presentes nos nossos corações companheiros como Santiago Alba Rico, Carlos Fernández Liria, Luis Alegre Zahonero, Antonio Álvarez Solís, Andrés Vázquez de Sola, Antonio Maira, Cristina Maristany, Montserrat Ponsa, etc.; e Jesús Prieto, Ramón Sola, Manuel M. Navarrete, ou esta documentada voz canária: a de Francisco Javier González; ou os textos de Pedro Antonio Honrubia, Matías Escalera, etc., ou os de conterrâneos bascos tão queridos como Jon Maia, Jon Odriozola, Josu Juaristi – que as páginas do Gara puseram à nossa disposição –, Santi Duñaiturria, Fito Rodriguez, Mikel Arizaleta, Joxe Austin Arrieta, etc., etc., etc.

Contra a anulação da nossa lista pelo Supremo Tribunal houve manifestações tão valiosas como as de Julio Anguita, Francisco Fernández Buey, etc., ou, num outro plano, a do jornalista Pascual Serrano, e muitas outras, que nos pareceram testemunhos democráticos independentes das nossas diferenças ideológicas e que nós consideramos também como verdadeiros apoios, mais ou menos distantes, isso sim, e que agradecemos como de grande valor para nós.

O caso de Pascual Serrano provocou-me, pois, uma profunda tristeza quando publicou, depois das eleições, um artigo que, assinado por outra pessoa, teria considerado como um panfleto infame, por estar a fazer pouco do entusiasmo que agarrou grandes zonas da esquerda radical e que ele definiu como um “frenesi” (“delírio furioso, violenta exaltação e perturbação do ânimo”, DRAE), e que descreve, entre outros impropérios, como uma união com “os grandes partidos para pedir o voto num processo de conversão estratégica impressionante”; “frenesi pelo voto e entusiasmo pela festa das urnas”, diz, e acrescenta que nós nos apresentávamos como “um sinal da iminente tomada revolucionária do poder” (!). Etc., etc. É fazer pouco da extraordinária campanha que se realizou nas piores condições imagináveis e, em suma, dos votos de ouro que a nossa lista teve. É um escárnio grosseiro do que chamei nada mais, mas também nada menos, “o despertar de uma esperança”. O artigo que estou a citar não tem desperdício, ou, melhor dito, tudo nele é um miserável desperdício. De semelhante nível é a resposta que o PCPE deu a uma – equivocada ou não – bem-intencionada proposta que o nosso companheiro Josep Garganté fez às candidaturas irmãs.

Quanto ao mais, esta é uma história que acaba de começar. A II-SP não se vai dissolver como um cubo de açúcar. A nossa gente está a trabalhar, e Doris Benegas, como a grande advogada que é de causas difíceis, tem já muito que fazer agora mesmo para a denúncia das evidentes irregularidades cometidas, em que nos roubaram muitíssimos votos. Por seu lado (é outro exemplo nada mais), Ángeles Maestro acaba de escrever coisas como esta: “Vamos consolidar essa avalanche de unidade e esperança que tornou possível que as organizações mais diversas entendam que cada uma por si só não é suficiente para engendrar o necessário e que juntas somos muito mais que a soma de todas: a possibilidade de articular a força de classe e de povos necessária nestes momentos”. (Este artigo apareceu no «Rebelión», como muitos outros que nos manifestaram simpatia e solidariedade. Estaria Pascual Serrano ausente quando se programaram, ou não lhe pareceram então tão delirantes e furiosos?).

Acabamos de começar e fizemo-lo bem; e somos nós que vamos administrar o nosso entusiasmo. Estamos na linha de “um socialismo do século XXI”, em que, por exemplo, as velhas dicotomias – como aquelas entre marxistas e libertários, científicos e utópicos, justiça e liberdade, luta de classes e ecologia... – não se poderão repetir. Por isso dizemos “aurrera” e clamamos, não a partir da loucura, mas da razão entendida no seu mais rigoroso sentido kantiano e baseados na nova noção de defesa da utopia que hoje começa a ser vigente como uma luta por tornar possível aquilo que não é que seja impossível, mas que está impossibilitado pelos interesses do grande capital. Aleluia, aleluia, digo com o meu punho fechado, que não é – nem nunca o foi – uma ameaça mas um canto à unidade entre os irmãos.

Alfonso SASTRE
dramaturgo e cabeça de lista da Iniciativa Internacionalista - Solidaridad con los pueblos
Fonte: Gara